O que é isso de vulnerabilidade? E porque nos tornamos tão relutantes em senti-la?

Faz parte da condição humana ser-se vulnerável. Mal se nasce, o bebé fica vulnerável ao afecto que o vai nutrir emocionalmente e ao alimento que o vai sustentar fisicamente. Desde sempre é-se vulnerável ao outro. À nascença e na morte. Dependemos, primeiro, fisicamente, e ao longo da vida, emocionalmente, (do afecto) dos outros.

Vivemos numa sociedade que valoriza os modelos fortes de sucesso, de bom desempenho, de posições de independência e de autonomia. E, mostrar algum tipo de vulnerabilidade, é visto como “dar parte fraca”.

Associa-se à ideia de vulnerabilidade, sinais de fragilidade e fraqueza. Tal disposição gera angústia e sofrimento; e de facto, estar vulnerável acarreta esse risco, de poder vir a sofrer e viver um certo estado de ansiedade.

É por isto que tantas pessoas não revelam a sua intimidade mais dita sentimental. Sentem medo que as olhem por dentro e encontrem um tecido mole por baixo da aparente armadura.

Quantas pessoas assumem que lhes custa o toque, dizer “amo-te”, chorar? Fogem a sete pés de lidar com os seus afectos, refugiando-se numa racionalidade que pode  levar a viver somente relações assépticas.

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A ameaça de se sentir vulnerável nas mãos do outro pode ser desencadeada por um estado passado de desamparo que foi de alguma forma traumático. Tal como explicou Freud existe este complexo do próximo. Perante a percepção da eventual dependência do outro, o adulto revive uma angústia que o faz confrontar-se com o sentimento de impotência perante a sensação de desprotecção. A ideia de insegurança bloqueia a possibilidade da aproximação íntima. E é assim que o contacto afectivo íntimo intimida.

No entanto, paradoxalmente, ser capaz de se assumir vulnerável, é permitir-se contactar com o que se sente. É percepcionar o benefício de usufruir de uma paleta de emoções, boas e más. É identificar que se possui forças e fraquezas. Ora, é estar ciente que ao ter recursos internos, é-se mais rico. E quem tem tesouros, pode ir busca-los e usá-los para se valorizar e também auto-cuidar-se, auto-amparar-se, quando sofre perante uma situação em que o outro não corresponde afectivamente.

Contrariamente ao esperado lema da força da carapaça, quem arrisca expor os seus sentimentos ganha ligações a relações mais verdadeiras e inteiras. A coragem para o fazer acaba por trazer confiança e noção de uma individualidade e liberdade para se mostrar como se é. Quando corre muito mal e a pessoa magoa-se, porque se expôs a alguma situação de perda emocional,  pode fazer uso da sua predisposição à vulnerabilidade para também pedir ajuda.

A vulnerabilidade é transversal a todos nós, não sendo necessariamente uma nuvem cinzenta. Pode ser vista com certa duplicidade, fazendo alusão a Roland Barthes quando nos fala do mito ambíguo da comunidade humana.  Nós, humanos, somos diferentes etnicamente, entre a pluralidade cultural a que pertencemos,  mas somos iguais na universalidade da nossa unidade como nascemos, trabalhamos, rimos e morremos. Sentimos todos da mesma maneira. Por mais escondida que esteja, a vulnerabilidade está sempre presente.

Claro está que há limites para a vulnerabilidade, sendo o sinal amarelo a repetida exposição a situações de risco; e aqui, é vital a contenção e recorrer à racionalidade. Mas, não sendo extremada  essa posição, aceitar que não podemos evitar contactar com as nossas partes frágeis, afinal pode preparar-nos para lidar de frente com as inevitáveis situações difíceis, e ao mesmo tempo, ligar-nos aqueles que gostamos.

anaeduardoribeiro@sapo.pt