Contestado pela generalidade dos partidos da oposição, o grupo parlamentar do Partido Socialista aprovou recentemente em votação final global a Agenda do Trabalho Digno. Um documento que vem introduzir mais de uma centena de alterações à legislação laboral e que contou com a abstenção do PSD, Chega, PAN e Livre e os votos contra do BE, PCP e IL. No caso de vir a ser promulgado pelo Presidente da República, as novas regras deverão entrar em vigor a partir do próximo mês de abril, marcando o desfecho de um processo legislativo que se iniciou em junho do ano passado.
Do documento ora aprovado destacam-se alterações substanciais com impacto relevante na dinâmica das empresas, que se materializam sobretudo em dois domínios: o da promoção da conciliação harmoniosa entre a vida pessoal e profissional e o da mitigação de vulnerabilidades presentes na relação de forças entre trabalhador e entidade patronal.
O regime do teletrabalho – que ganhou particular relevância em consequência das limitações impostas pela pandemia covid-19 – conhece agora um importante aperfeiçoamento legislativo, traduzido na necessidade da definição ab initio do valor adicional a pagar ao trabalhador para este acomodar as despesas em que incorra em virtude da prestação de trabalho remoto. Segundo a nova norma, consideram-se despesas adicionais “as correspondentes à aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não dispunha antes da celebração do acordo” assim como “as determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador”. Fica ainda estabelecido que o trabalhador que tenha a seu cargo filhos com deficiência, doença crónica ou doença oncológica poderá optar pelo regime de teletrabalho independentemente da idade dos filhos, desde que o trabalho à distância seja compatível com a atividade da empresa.
Outro importante avanço introduzido ocorre no domínio da parentalidade, onde a duração da correspondente licença sofre uma extensão dos atuais 20 dias úteis para 28, seguidos ou intercalados. Alterações legislativas que vão em sentido positivo e que visam salvaguardar a componente familiar e pessoal da vida dos colaboradores.
No domínio do combate à vulnerabilidade do vínculo laboral, destaca-se a aprovação da norma que prevê a redução do número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário a termo certo, das atuais seis para quatro, que deve ser lida como uma tentativa de proteger os trabalhadores mais jovens e os imigrantes, que enfrentam, não raras vezes, uma situação de particular precariedade.
Na mesma linha, foi aprovada na especialidade a proposta que acaba com a possibilidade de os trabalhadores renunciarem a créditos que lhes são devidos, como os subsídios de férias ou de Natal, quando são despedidos ou quando o contrato cessa por outro motivo. Segundo a nova norma, os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação “não são suscetíveis de extinção por meio de remissão abdicativa”.
Obteve também luz verde a proposta que prevê que, ao fim de quatro anos de cedências temporárias por empresas de trabalho temporário ou por sociedades do mesmo grupo, a entidade empregadora seja obrigada a integrar em definitivo os trabalhadores nos seus quadros. A isto acresce o impedimento de as empresas recorrerem ao regime de ‘outsourcing’ (contratação externa) nos 12 meses seguintes a terem concretizado despedimentos coletivos ou despedimentos por extinção de posto de trabalho.
Já no domínio do trabalho prestado em plataformas digitais, tais como a Uber ou a Glovo, foi aprovada na especialidade uma regra que permite presumir a existência de um contrato de trabalho, que se aplicará ao setor do transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados, comumente conhecidos por TVDE. Após aturado debate parlamentar, a versão final aprovada estipula que se “presume a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital” se verifiquem, pelo menos, duas das seis características aí elencadas, o que ocorrerá, por exemplo, quando a “plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real” e “fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma”.
Numa apreciação genérica às alterações ora aprovadas, poder-se-á dizer que as mesmas constituem avanços positivos, expectáveis e justificáveis à luz da Agenda do Trabalho Digno, apontando claramente para o reforço do equilíbrio das dimensões pessoal e profissional e da estabilidade das relações laborais, desígnios fundamentais para uma sociedade que se quer moderna, justa e integradora.