O crime de traição à pátria encontra-se previsto na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos cometidos no exercício das suas funções. De acordo com o artigo 7.º – o qual prevê penas de prisão de dez a 15 anos –, ocorre quando um titular de determinado cargo político em «abuso das suas funções ou com grave violação dos inerentes deveres, ainda que por meio não violento nem de ameaça de violência, tentar separar da Mãe-Pátria, ou entregar a país estrangeiro, ou submeter a soberania estrangeira, o todo ou uma parte do território português, ofender ou puser em perigo a independência do País».
Este tipo de crime engloba ações como conspiração contra o Estado, espionagem, inteligência com o inimigo em tempo de guerra, entre outros atos suscetíveis de ameaçar a segurança nacional.
Mas será que, com habilidade, se consegue encaixar a declaração de vontade (ou de compromisso) recentemente manifestada pelo detentor do mais alto cargo público da nação, Marcelo Rebelo de Sousa, que «Portugal deve liderar o processo de assumir e reparar as consequências do período do colonialismo»?
No texto normativo atual não se afigura possível que o Presidente da República venha a ser condenado nem que uma eventual queixa assente em base legal.
Mas se no ordenamento jurídico português não é possível, será que noutros países europeus seria possível criminalizar tal conduta?
Na Alemanha, o crime de traição (hochverrat), previsto pelo artigo 81.º do respetivo Código Penal, é punido com pena de prisão perpétua ou com pena de prisão não inferior a dez anos, nos casos graves em que é posta em causa a ordem constitucional ou a existência da República Federal.
Em França, a traição (trahison) está articulada no Código Penal, designadamente pelos artigos 411-2 a 411-8. Ao longo dos quais são descritas as condutas que poderão ser consideradas como crime de traição, de que são exemplo a «entrega a uma potência estrangeira de parte do território francês», a sabotagem de equipamentos, de instalações ou de aparelhos destinados à defesa nacional, a manutenção de relações com uma potência ou organização estrangeira com o objetivo de suscitar hostilidades ou actos de agressão contra o país, ou de tornar acessíveis informações classificadas, processos, objectos, documentos, dados ou ficheiros informatizados passiveis de prejudicar os interesses fundamentais da nação. A punição para tais atos varia entre os trinta anos de prisão, no máximo, e uma multa de 450.000 euros.
A Itália apresenta uma das listas de crimes contra a pátria mais extensa. A traição (tradimento) é abrangida pelo Código Penal nos artigos 241.º a 274.º Ao longo deles são descritas as várias condutas, envolvendo ações contra a integridade, a independência ou a inviolabilidade territorial do Estado. As molduras penais poderão ser tanto de pena de multa como de pena de prisão, esta nunca inferior a 12 anos.
Em Espanha, a traição (traición) é prevista no Código Penal pelos artigos 581.º a 589.º. No capítulo dedicado a este tipo de crime são contempladas ações contra a soberania, a independência ou a integridade do Estado. As penas vão de 12 a 20 anos de prisão, dependendo do tipo de ação cometida pelo seu autor.
Nenhum dos estados pune como «traição» as meras declarações políticas de um governante ou de um chefe de Estado.
Mas será que, na prática, algum estado puniu, efetivamente, algum cidadão por crime de traição? A resposta é sim.
Na Alemanha, em 2018, um antigo agente dos serviços secretos alemães (BND), identificado como Markus R., foi condenado a oito anos de prisão por espionagem a favor dos EUA e da Rússia. Provou-se, entre outos factos, ter entregado à CIA bancos de dados com nomes e codinomes de agentes alemães no exterior.
Em França, em 2015, um francês, Willie Brigitte, foi condenado por planear ataques terroristas e por prestar apoio a uma organização terrorista. Brigitte foi condenado a nove anos de prisão, por conspiração e perpetração de atos de terrorismo contra o seu país, entre outras acusações.
O caso mais mediático de Itália aconteceu em 2019. As autoridades policiais detiveram a alemã Carola Rackete, capitã do navio de salvamento de clandestinos «Sea-Watch 3», acusada de auxílio à imigração ilegal e de resistência a um navio de guerra. Rackete foi detida em finais de junho, quando atracou, sem autorização, na ilha italiana de Lampedusa, com o fito de efetuar o desembarque de 40 imigrantes resgatados no largo da Líbia, os quais se encontravam, há mais de duas semanas, a bordo do «Sea-Watch 3». Porém, não houve condenação nenhuma, tendo a ativista da organização ecologista «Die Linke» sido absolvida.
Sorte diferente tiveram em 2017, em Espanha, os dirigentes separatistas da Catalunha, incluindo o antigo vice-presidente Oriol Junqueras e vários outros membros do governo daquela comunidade autónoma espanhola. Foram detidos, acusados e punidos de rebelião, sedição e utilização indevida de fundos públicos, na sequência do referendo ilegal que ficou conhecido pelo 1-O, com penas entre 13 a nove anos de prisão. O Governo de Madrid considerou as suas ações como uma ameaça à unidade e à soberania do Estado, dando origem a uma crise política que ainda persiste.
Ora, prometer ou quase prometer pagar indemnizações por termos sido uma potência colonizadora, como o fez Marcelo Rebelo de Sousa, pena de prisão não dá, mas tão-só e apenas enxovalho público. Em bom português, limitou-se, antes de pensar, a falar barato.