1.Falta de Meios?
Sempre que surgem notícias preocupantes quanto ao insuficiente desempenho do Estado ou quanto a falhas graves, a justificação  é sempre a mesma: faltam meios e, em geral, quando se referem meios, citam-se números de funcionários pedidos e não atribuídos.

Recentemente, surgiram dois episódios bem distintos mas que ilustram este mesmo comportamento: a apresentação pela Senhora Procuradora Geral da República do Relatório de Atividades do Ministério Público de 2023 disponível no site do MP e a surpreendente fuga dos presos da prisão de alta segurança do Vale dos Judeus.

O Relatório do MP de 2023
Este documento inclui mais de 200 páginas com dezenas de quadros e gráficos mas não inclui qualquer Sumário Executico ou Capítulos de Síntese, de Conclusões ou de Perspectivas Futuras e Recomendações o que permite concluir que os problemas de comunicação também têm expressão escrita.

Todavia, na Página 181 deste Relatório, apresentam-se os números de Inquéritos Penais entrados e findos  para os últimos 3 anos e que citam no quadro seguinte:

Número de Inquéritos                          2021                                   2022                              2023

 A-   Entrados                                         395 222                                435 042                           480 208

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B-   Findos                                               388 884                                410 808                           428 458

A-B                                                               6 338                                     24 234                              51 750

É curioso referir que a última linha não é apresentada mas o acréscimo dos pendentes está a crescer rapidamente tendo aumentado mais de 700% de 23 a 21 pelo que é previsível o acréscimo de congestionamento e de duração  dos inquéritos nos próximos anos. Perante este cenário muito preocupante, as reflexões apresentadas incidem sobre a necessidade de dispôr de mais meios humanos.

A Fuga dos Presos
A recente fuga dos presos surpreendeu todos, designadamente, pela natureza não tecnológica e até artesanal dos meios adotados, mas desde logo foi referido que o problema resultou de falta de guardas, embora não se vislumbre que tal aumento pudesse evitar a fuga, pois esta resultou da sua cuidadosa calendarização coincidente com a mudança de turno dos vigiantes das câmaras e com o período das visitas aos presos.

2.Falta de Eficiência?

Os resultados do funcionamento de qualquer organização dependem sempre não só dos recursos utilizados mas também dos modelos de organização e gestão adotados e bem assim das condições de liderança e incentivo existentes. Ora, na Economia de Mercado, os níveis de eficiência atingidos são expressos pelo maior ou menor sucesso face à procura em quadro concorrencial mas essas condições  não existem para as organizações públicas pois, em geral, não existe  concorrência, tal como é o caso dos dois exemplos apresentados. Daí que seja essencial estimar níveis de eficiência o que tem vindo a ser feito por diversos métodos propostos desde o seminal artigo de (Charnes e Cooper, 1978) os quais permitem ter em conta a diversidade de situações e de recursos disponíveis. Passou então a ser possível generalizar o chamado benchmarking das entidades, comparando as suas eficências, e a eleger os melhores exemplos a prosseguir bem como corrigir as lanternas vermelhas que também sempre existem.

Infelizmente, esta abordagem não existe em Portugal e o nosso Estado parece ignorar totalmente  o dever de mapear eficiências tal como também é ilustrado pelos exemplos citados, lamentando-se ainda que entidades como o INA não priorizem esta temática nas suas ações de formação.

Enquanto Portugal não se aproximar da moderna cultura do benchmarking estaremos condenados a não dispor de evidências sobre os exemplos a prosseguir e as organizações a alterar, repetindo apenas a ladaínha conhecida da falta de meios. Confirmaremos então  a narrativa de Ramalho de Ortigão que, ao inquirir sobre a necessidade de mais funcionários dos diversos serviços, conclui com o seu humor exemplar que os Portugueses não são suficientes para tratar dos seus próprios problemas…

Referência: Charles A, WW Cooper e E Rhodes, 1978, “Measuring the Efficiency of Decision-Making Units”, European Journal of Operational Research, Vol2, 6, 429-444.