O relógio não para, e o PRR está numa espécie de sprint final, mas com muitos a correr em direções diferentes e alguns ainda sem saber onde está a meta. Portugal enfrenta um dos maiores desafios de execução de que há memória, e o momento é decisivo. Temos prazos curtos, obstáculos altos e um caminho ainda por desbravar. Não há margem para hesitações nem para o típico “vamos ver como corre”. Se o PRR fosse um navio, estaríamos a navegar num mar revolto com o motor a tossir e metade da tripulação a perguntar quem está ao leme. Mas ainda há tempo para ajustar o curso e atracar em porto seguro, mas precisamos de um plano e de o seguir como se a nossa sobrevivência futura dependesse disso. A verdade é que em parte depende mesmo!
E esse plano passa, inevitavelmente, pelo que na Gestão de Projeto chamamos de rescue mode e project recovery, conceitos que traduzem uma urgência incontornável e plenamente justificada. Recuperar o PRR neste momento é como reparar um motor em pleno voo: exige rapidez, coordenação impecável e decisões certeiras. O rescue mode não se faz de boas intenções; faz-se de diagnósticos claros, ações pragmáticas e liderança sem hesitações. Mas a pergunta inevitável é: por onde começar? Como transformar a pressão do tempo em foco estratégico? Seguem algumas sugestões.
Diagnóstico: O GPS está a funcionar?
Antes de mais, precisamos de saber onde estamos. Por mais óbvio que pareça, um diagnóstico honesto é frequentemente ignorado. Sem ele, corremos o risco de confundir movimento com progresso, como um carro atolado que acelera sem sair do lugar. É hora de perguntar: onde estão os maiores atrasos? Na aprovação de projetos? Na execução? Ou será a burocracia central o grande vilão desta epopeia? Mais importante, o que dizem os executantes no terreno? São estas vozes, muitas vezes abafadas, que trazem a verdade nua e crua. Com um diagnóstico bem feito, podemos priorizar ações com impacto imediato e medir cada passo como se estivéssemos num jogo de xadrez: estratégia, visão e precisão.
Descentralização: A força está nas margens
Portugal é um país de contrastes e talento local. De norte a sul, cada região sabe melhor do que ninguém o que precisa para prosperar. Então, porque insistimos em centralizar tudo? É como tentar gerir uma horta à distância: ninguém vê as pragas nem rega as plantas na hora certa. A solução? Passar o poder às autarquias, criar equipas regionais, verdadeiros “comandos de intervenção” que destravam burocracias e aceleram projetos. Mas atenção, a descentralização por si só não basta. É preciso um ecossistema de colaboração que envolva universidades, associações empresariais e até o sector privado. Juntos, podem ser como as abelhas numa colmeia: cada uma com a sua função, mas todas a trabalhar para o bem comum.
Gabinete de Crise PRR: Uma sala de guerra contra a inércia
Chegámos ao ponto em que não basta remendar o barco; precisamos de um novo modelo de comando. Imagine um Gabinete de Crise PRR, composto por especialistas, empresas e decisores políticos, com a autonomia de um esquadrão de elite. Aprovações em 48 horas, decisões rápidas e reuniões semanais para ajustar o rumo. Este gabinete não pode ser apenas mais uma sala de reuniões burocrática; tem de ser um centro de comando, onde se elimina o que bloqueia e se foca no que realmente importa. Trabalhar em sprints semanais, como nas metodologias ágeis, é o segredo para transformar complexidade em ação concreta.
Estratégias práticas: Fazer acontecer já
Com pouco tempo e muito por fazer, precisamos de pragmatismo. Comecemos pelos quick wins – projetos rápidos, de impacto visível, que mostram resultados nos próximos três meses. A criação de (mais) salas de teleconsulta em centros de saúde, equipadas com tecnologia simples para atender populações remotas. A instalação de quiosques digitais nos tribunais, permitindo a consulta de processos e o pagamento de taxas sem filas intermináveis. A reabilitação de infraestruturas sociais, como centros de dia ou lares, com melhorias na acessibilidade e no conforto térmico. Ou ainda, pequenas intervenções em habitações sociais, reparando janelas e telhados para garantir maior dignidade e conforto aos moradores. São iniciativas que, com processos simplificados e o uso de contratos de menor valor permitidos pelo Código dos Contratos Públicos (CCP), podem ser concretizadas de forma supostamente mais célere. Ao mesmo tempo, concentremo-nos nas grandes prioridades, como a habitação e a transição energética. É aqui que o fast tracking pode ser o nosso melhor aliado: tarefas em paralelo, processos simplificados e requisitos ajustados. Em vez de um elefante imóvel, cada projeto deve tornar-se uma formiga incansável. Passos pequenos, mas constantes, até ao objetivo.
Monitorização: Quem não mede, não gere
Portugal tem ferramentas de monitorização. Mas não basta saber que os dados existem; é preciso usá-los de forma inteligente. Imagine dashboards que não apenas reportam números, mas antecipam problemas. Algo como um copiloto digital que avisa: “Cuidado, este projeto está a derrapar!” Redirecionar fundos de forma ágil para onde há mais impacto deve ser tão natural como mudar de faixa numa estrada congestionada. Se há algo que aprendemos com o PRR, é que a flexibilidade é tão vital quanto o rigor.
Comunicação: O PRR é de todos
Por fim, mas não menos importante, é preciso envolver as pessoas. O PRR não pode ser uma peça de teatro encenada para poucos espectadores. Precisa de ser um filme épico, onde todos têm um papel. Desde o empresário que sonha com inovação até ao cidadão que espera pela habitação prometida, todos devem sentir que fazem parte desta história. Transparência radical é o caminho: mostremos o progresso, os desafios e até os erros – porque nada mobiliza mais do que a verdade. O PRR não é um plano distante; é o futuro de Portugal.
Com apenas um ano restante, o PRR não pode ser mais um episódio da nossa conhecida novela de “quase lá”. É hora de mostrar que, quando o desafio surge, Portugal responde, não com improvisos, mas com inteligência e ação estratégica. Diagnosticar, priorizar, envolver e executar: estas são as palavras de ordem. E se o passado foi marcado por atrasos, que o futuro seja lembrado pela nossa capacidade de virar o jogo. Como dizia Fernando Pessoa, “para ser grande, sê inteiro”. Que Portugal, com todas as suas partes, seja grande neste momento. Afinal, o destino não espera por ninguém, mas o futuro pode ser nosso. Eu acredito.