Em abril, os sócios do FC Porto pronunciaram-se de forma clara naquele que foi o ato eleitoral mais concorrido de sempre da vida do Clube. Depois de mais de 40 anos sob uma liderança marcante, os sócios entenderam ter chegado a altura de virar a página e promover uma profunda renovação dos órgãos sociais.
O Porto vive, por isso, um período de transição. Entre uma realidade que se manteve durante décadas praticamente imutável – nos rostos e na forma de gerir – e uma nova direção que se propõe reorganizar o funcionamento interno do Clube, atualizando o modelo de negócio. O pontapé de saída dá-se com a reconfiguração do universo empresarial, o reforço da relação de transparência com os diferentes stakeholders e a aposta na reaproximação aos sócios e adeptos, estimulando-os a participar na vida diária do Clube. Fundamentalmente, a aposta passa pela prossecução de um novo modelo de gestão financeira e desportiva.
Uma organização com a dimensão de um clube de topo como é o FC Porto encerra em si mesma inúmeros desafios. Desde logo, envolve uma estrutura pesada, em que coexistem diversos interlocutores, a quem são atribuídos diferentes níveis de responsabilidade e de poder decisório, e que se revelam, não raras vezes, antagónicos entre si. O desafio está, pois, em promover o equilíbrio entre a componente desportiva, garantindo a competitividade das equipas profissionais, e, concomitantemente, assegurar o rigor orçamental e a necessidade de, anualmente, vender ativos importantes de modo a manter a solvabilidade da SAD. Operacionalizar e modernizar a estrutura e promover o alinhamento de todos os intervenientes no processo é uma tarefa complexa, que vai, naturalmente, levar o seu tempo.
Ademais, não podemos esquecer o ponto de partida: a SAD fechou a temporada de 2023-2024 com prejuízos de 21 milhões de euros e um passivo de 520 milhões, sinal de uma grave crise financeira que levou a administração a avançar para um processo de reestruturação de dívida. As últimas contas evidenciam uma situação de estrangulamento, com capitais próprios negativos na ordem dos 113 milhões de euros, ainda que tenha registado uma melhoria da situação líquida por conta da valorização do estádio.
Diante deste quadro, a administração da SAD logrou desbloquear um financiamento de 115 milhões de euros através de uma oferta privada de obrigações colocada nos EUA. Soma-se a isto um novo empréstimo obrigacionista num montante de 30 milhões de euros com o prazo de três anos (2024-2027).
Apesar dos esforços que têm sido envidados, é evidente a situação de fragilidade em que se encontram as finanças da SAD e consequentemente todos os condicionalismos que daí advêm. É uma realidade inultrapassável, que importa ter em conta nas diferentes análises que, de boa-fé, se pretendam fazer, bem como na projeção do que deve ser o FC Porto daqui por diante. Hoje, mais do que nunca, é imperativo manter um critério apertado na assunção de novas responsabilidades financeiras, sendo que o clube terá de prosseguir, sem tibiezas, o trajeto das contas certas e de total abertura e transparência nos atos de gestão. Não haverá, estou certo, um sócio que não esteja ciente desta circunstância.
Naturalmente que o sucesso desportivo é a trave mestra que suporta todas as outras dimensões, financeira, organizacional e não pode, de modo nenhum, ser descurado. Não será novidade para ninguém que os sócios do FC Porto não se mostram particularmente entusiasmados com as recentes atuações da equipa profissional de futebol. Percebe-se, pressente-se, que falta ali qualquer coisa. Seja do ponto de vista da liderança técnica seja da organização tática da equipa. Devem, os sócios e adeptos do Porto, discutir apaixonadamente o desempenho deste ou daquele atleta, as opções do treinador neste e naquele jogo, sem, no entanto, perder de vista que, para lá de todos os condicionalismos já identificados, foi possível constituir um plantel competitivo em resultado de um mercado de verão onde o FCP se mostrou criterioso nas escolhas e assertivo nas contratações que efetuou.
O Clube ostenta desde há muitos anos uma marca forte que, independentemente dos contextos mais ou menos favoráveis, sempre o caracterizou: crença, determinação e uma vontade inabalável de vencer todos os jogos, até ao limite. Aquilo que muitos denominam de ADN Porto. É por isso que ali, dentro do campo, no onze contra onze, se exige uma resposta à altura.