Há um sítio onde gosto de esperar: à porta da sala de voto. Gosto daquela organização de filas alinhadas para as mesas, em que cada número é um nome e cada nome uma escolha. Gosto da formalidade com que o presidente da mesa anuncia o meu voto, como me declara pertencente a um grupo privilegiado conquistado por outras para mim. O dia de eleições é um dia feliz.

Há alguns anos, o entusiasmo do dia arrastava-se pela madrugada. Mas há muito que esse prazer de antecipação tinha acabado. Tornou-se tudo tão imediato que antes de votar já sabíamos quem ganhara. E de tal forma confundíamos a sondagem com o resultado que, desta vez, teremos esquecido que é preciso a coincidência da intenção de voto com o voto real para confirmar expectativas. O resultado das eleições para a Câmara de Lisboa foi disso o melhor exemplo. A certeza do PS, de Fernando Medina, dos media alinhados com o governo desprezou os lisboetas que vivem cerceados pelas rendas asfixiantes quando são inquilinos e pelo IMI se proprietários, pelo turismo de massas e pelo alojamento local, pelas filas de trânsito, pelo ruído, pela poluição, pelas trotinetas caídas nos passeios, pela sujidade, pelo lixo acumulado nos ecopontos. E desprezou os que, acreditando ou pelo menos simpatizando com o projecto socialista, não se mexeram nem votaram naquele que Costa anunciou como o melhor autarca do século XXI.

Se é verdade que Fernando Medina fez um discurso de concessão exemplar e digno em que chamou a si, como o protocolo não escrito exige, a responsabilidade “pessoal e intransmissível”, é igualmente verdade que a responsabilidade é a dividir no mínimo por dois. António Costa é o outro divisor.

Houve entre ambos, Medina e Costa, a replicação dos mesmos comportamentos. A mesma sobranceria. A clonagem de Costa por Medina, desde a lista de honra de Luís Filipe Vieira ao descaso de margaridas de Arroios e arquitectos do regime e dos dados partilhados, e outras tantos, manifestou a sua visão em túnel e a total incapacidade de governar com o centro direita e penalizou-o pelo que a Costa cabia: por cabritas e procuradores, paulas vitorinos e galps, edps e todos os excessos resultantes da proliferação socialista debaixo da qual, o quanto Fernando Medina fez de bem durante o seu mandato ficou soterrado. Mas devolveu-nos os jardins e as esplanadas. A beira rio. Como iniciou a devolução do espaço verde à cidade e da cidade a quem nela, com maior ou menor sacrifício, com todas ou poucas condições, ainda vive. E trouxe de volta bicicleta e fez o passe social acessível.

Mas Fernando Medina não ouviu as dificuldades dos lisboetas. Tal como Costa não ouve os portugueses. De Carlos Moedas, esperança que se levantou contra sondagens e media, esperamos que ouça. É o voto que fala mais alto.

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