O Governo Socialista afirma que quer “vencer o desafio das alterações climáticas”, mas quando deixa, em aberto, decisões importantes ficarem na mão da discricionariedade da Autoridade Tributária, esta não vacila na sua voracidade de cobrar impostos e comete erros bizarros.

Aproveitando a complexidade do sistema fiscal português, neste caso do IVA – com os seus escalões e múltiplas isenções e listas intermináveis do que encaixa onde – para a Autoridade Tributária e Aduaneira, os computadores, tablets e telemóveis são aparelhos que “têm uma utilização normal em qualquer ambiente e não podem ser considerados aparelhos domésticos”, para efeitos da verba 2.36 [serviços de reparação] da Lista I do Código do IVA [produtos sujeitos à taxa reduzida] pelo que a sua reparação não beneficia a taxa de 6%, mesmo quando, no último processo orçamental, existiram várias propostas nesse sentido.

Sabemos bem que o consumo global de smartphones, tablets, computadores pessoais e outros dispositivos eletrónicos aumenta todos os anos. Estes equipamentos são, hoje em dia, primordiais na sociedade e trazem benefícios incontestáveis em áreas tão abrangentes como a saúde e educação. Porém, há um lado muito negro na tecnologia: o planeta assiste, diariamente, a um crescente tsunami1 de lixo eletrónico.

Ora, por um lado, os fabricantes das grandes tecnológicas são exímios a dificultar a reparação deste tipo de dispositivos. Não fornecem peças, nem sequer manuais de instruções sobre como reparar os mesmos e, nos últimos anos, a inclusão de componentes exclusivos das marcas tornou-se um modelo standard desta indústria. Por outro lado, temos uma taxa de IVA na qual praticamente ¼ (23%) do valor da reparação é um benefício direto do Estado. As conjugações destes fatores tornam a opção por reparar bastante dispendiosa, o que leva o consumidor final a optar por adquirir equipamentos novos, em detrimento de reparar aparelhos que, na maioria dos casos, vão acabar no lixo doméstico.

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De acordo com os dados da ONU2 a economia global gera, aproximadamente, 50 milhões de toneladas de lixo eletrónico3 por ano e na União Europeia reciclam-se, anualmente, menos de 40% dos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos. A esmagadora maioria do lixo eletrónico que resulta dos computadores e telemóveis termina em entulho. Estes tipos de resíduos tornaram-se já num dos principais obstáculos aos esforços dos europeus para reduzir a sua pegada ecológica e o problema está bem identificado.

Por estas razões, atravessamos um momento em que as principais instituições estão focadas em aplicar medidas4 para minimizar os impactos da indústria eletrónica no meio ambiente, alinhadas com uma transição sustentável para todas as partes. Um inquérito do Eurobarómetro5 indica que 77% dos consumidores europeus preferem reparar os seus equipamentos a comprar novos. Todavia não o fazem, sobretudo devido aos custos elevados quando comparam os mesmos com os valores de aquisição de novos equipamentos.

Entretanto, o Parlamento Europeu está empenhado em promover o alargamento da vida útil dos produtos através da reutilização e da reparação6. Mas, infelizmente, a nossa Autoridade Tributária ainda não está suficientemente sensibilizada para esta tragédia ecológica e não soube aproveitar a oportunidade para elaborar uma alteração ao IVA que teria um verdadeiro impacto na forma como os consumidores portugueses decidem, quando têm um telemóvel ou computador avariados.

Perante um tsunami de lixo eletrónico – que de acordo com as Nações Unidas expõe atualmente 18 milhões7 de crianças – a AT continua a “salivar” e a cobrar na taxa máxima, mesmo que isso seja, ambientalmente, um enorme erro.

Quem diria? O sistema fiscal português é um negacionista climático.