Recorda-se quando o PS dizia que o estado era o motor da economia? Estávamos em 2009 e o país encontrava-se exangue em resultado das políticas socialistas. Nessa altura, José Sócrates apostou forte e feio no investimento público. Numa estratégia suicida de fuga para a frente, a solução dos socialistas para um país sem capital foi gastar o que não havia. Entre 2008 e 2010, o PS não aceitou que o estado não tivesse meios para ser o motor da economia e o resultado foi a bancarrota estatal apenas evitada com a intervenção da troika. Nessa altura tive oportunidade de alertar no jornal i, no Diário Económico e no blogue O Insurgente que, caso os socialistas continuassem com as suas políticas, cedo o estado deixaria de ter condições para prestar as obrigações sociais atribuídas pela Constituição.

Infelizmente foi mesmo o que aconteceu. Hoje são poucos os que repetem o jargão do estado ser o motor da economia, não por terem deixado de acreditar nessa crença, mas porque sabem que o estado não tem condições para o fazer. Longe vão os tempos da construção dos estádios de futebol que, na deturpação que o socialismo luso fez da lógica keynesiana, iriam contribuir para retoma económica. Longe estão os tempos do pântano de Guterres em que dívida pública correspondia a 57,4% do PIB. Nessa altura, o então primeiro-ministro socialista afastou-se do governo para salvar o estado. Actualmente, o PS sabe que essa atitude seria politicamente suicida e prefere matar o estado social a afastar-se do poder.

Sem meios, fruto da má gestão pública derivada de preconceitos ideológicos, o PS inventou uma nova narrativa. No Largo do Rato, a imaginação é fértil e cheia de cambiantes. Nesta narrativa a culpa para os nossos problemas já não deriva de Bruxelas nem dos especuladores internacionais. O PS precisa dos fundos europeus para modernizar o funcionamento burocrático do estado e satisfazer as suas clientelas pelo que não é inteligente ofender quem passa o cheque e no momento em que o faz. Assim, desta vez a crítica é mais subtil; desta vez não há responsáveis; desta vez não se aponta o dedo; desta vez pede-se, recomenda-se. O quê? Que se tenha cuidado. Que não andemos de comboio nas horas de maior calor; que não saiamos do país de avião; que nos afastemos das zonas rurais; que não adoeçamos e, se tal acontecer, que pensemos duas vezes antes de irmos ao hospital. A sugestão para não comermos bacalhau à brás no Verão foi a cereja em cima do bolo que se evidenciou pela falta de jeito que Graça Freitas tem em comunicar. As restantes são igualmente ridículas, mas proferidas por verdadeiros profissionais. São sugestões, não ordens. Sugestões que, caso não sejam seguidas, justificam o caos nos serviços públicos. É esta a nuance: a responsabilidade deixa de ser do governo para ser do povo.

Os hospitais estão cheios? As pessoas não escutaram as autoridades. Os comboios não são confortáveis, a CP não cumpre horários? Os cidadãos ignoraram os apelos. Há incêndios? A população não desistiu de se juntar em aglomerados ou de se afastar dos centros urbanos. Os incêndios alastram-se? São as alterações climáticas que desresponsabilizam quem, nos últimos 26 anos, foi governo durante 19. O trânsito é infernal? Os habitantes de Lisboa e do Porto não prezam os transportes públicos. As carruagens do Metro de Lisboa passam de 15 em 15 minutos? Os utentes devem evitar os transportes públicos nas horas de ponta ou trabalhar a partir de casa. Desde de Pôncio Pilatos que não se viu lavagem de mãos tão impoluta.

Numa democracia liberal os cidadãos são individualmente responsáveis por si, pelo bem-estar daqueles que os rodeiam e pelo que, dessa forma, podem fazer pelo seu país. Numa democracia socialista responsabilizam-se colectivamente as pessoas por algo que estas não controlam e, em última análise, pelas falhas do governo. A obrigação é de todos e ao ser de todos é difusa e de ninguém.

Nasci na década de 70, fui criança e adolescente nos anos 80 e vi na televisão o então presidente Mário Soares ordenar a um polícia que o deixasse em paz. Eram os tempos em que o povo tinha direito à indignação. Nessa época contava-se com os fundos de Bruxelas para desenvolver o país em democracia e liberdade. Foi esse o objectivo que Soares e Sá Carneiro retiraram do 25 de Abril. Actualmente, o PRR foca-se na melhoraria das condições de trabalho no estado e em subsidiar empresas com negócios que o poder político aprova. No entretanto conta-se com cidadãos obedientes e calados. E como normalmente sucede nessas circunstâncias, uma população responsável que não quer ser culpada. Custa admiti-lo, mas parece que voltámos ao ponto de partida.

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