Gosto da praia ao amanhecer. Daquele momento imaculado de areia lisa, uma ou outra pegada de gaivota, a água azul, a luz fria, muito viva a iluminar a Serra da Arrábida. Gosto de ter um dia inteiro por fazer. Gosto de dias de esperança.

Em breve a praia encher-se-á: chegarão os pescadores, depois os corredores matinais equipados de earphones, smartwatches, tempo, quilómetros, batimento cardíaco monitorizado, não vá o diabo tecê-las. A praia abre oficialmente, os nadadores-salvadores, distribuídos por três frentes, içam a bandeira verde, abrem o bar, preparam as cadeiras por baixo dos chapéus de sol: toldos, 30 euros por dia; tardes, 15 euros. A 500 metros da beira-mar há uma frente de blocos de três andares, com vista mar e piscina panorâmica. Em Agosto  deste ano, um apartamento T0 custa cerca de 1900 euros por semana. Aumentou desde o ano passado. Algumas vezes corre tudo bem. Muitas, os electrodomésticos não funcionam, a internet falha, os vidros das varandas racham, o sol queima as madeiras e as tábuas dos decks partem-se.

O único supermercado da zona – há um mini mercado a 6km –, vende latas de atum em óleo vegetal a três euros. Na zona trabalham várias pessoas que vêm de fora,  algumas fazem 100km diariamente. São monitores de animação, funcionárias de limpeza, empregadas dos restaurantes, caixas no supermercado, camareiras, recepcionistas, lojistas. Por vezes têm de abastecer-se ali, no tal único supermercado em que uma garrafa de água de litro e meio custa dois euros. Para aqui chegar vem-se de barco ou de carro. De carro têm de se fazer mais 95 km. O preço para se atravessar o rio de ferry é 17,20 euros. Sem carro, é  7,75 euros por pessoa. A gasolina por estas zonas está a 1,779 euros.

Podíamos estar na Costa Azul. Não estamos. Estamos numa das regiões urbanas mais pobres do país, em que a taxa de insolvências nos primeiros quatro meses deste ano foi 108% superior à do ano passado.  Podíamos ouvir falar português nos chapéus da praia ou nos restaurantes da marina. Não ouvimos. Impera o castelhano, o francês que já não é o francês de Agosto, e algumas línguas do norte e leste europeu.

Esta já foi uma zona de férias desenhada para os trabalhadores. Agora, vive do querido mês de Agosto em que vale tudo menos o acesso às gentes da terra e aos trabalhadores de classe média. Mas a verdade é que está cheia. Não de portugueses, mas cheia. Em Portugal as praias até podem ser públicas mas há muitas maneiras de fazer a selecção à porta.

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