As funções de soberania nacional não são externalizáveis e, assim sendo, compete ao Estado garanti-las.

De entre as cinco funções de soberania (diplomacia, justiça, finanças, segurança interna e defesa nacional), todas elas suporte da identidade e da persecução dos objetivos nacionais permanentes, é provavelmente a Defesa Nacional (a par da Segurança Interna) aquela que, certamente por preconceito ideológico, menos tem merecido dos decisores políticos o cuidado necessário.

Ao longo dos últimos tempos tenho vindo a alertar para este facto e tenho sugerido, para debate, alterações à organização das Forças Armadas, sabendo que algumas delas são controversas, merecendo contraditório e discussão.

Defendi em artigos anteriores uma organização assente em componentes (naval, terrestre, aérea e ciber), em detrimento da organização por Ramos e, dentro da componente terrestre, uma organização por funções operativas (ou por sistemas funcionais do campo de batalha) em vez da tradicional e cada vez mais anacrónica organização por Armas e Serviços.

(Manifestação de interesses, sou um orgulhoso Oficial de Cavalaria, na Reserva, mas entendo que o peso da História, das tradições e da cultura própria de cada Arma ou Serviço nunca poderão estar à frente dos interesses nacionais. Nunca poderão estar à frente de Portugal!).

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A organização por Ramos tem a sua origem nos tempos em que a guerra era conduzida de forma independente pelo Exército e pela Marinha. O Exército era responsável pela condução da guerra em terra e a Marinha pela condução da guerra no mar, sem interdependências significativas entre esses dois ramos, ainda que ambas concorressem para o objetivo final da vitória sobre os oponentes.

A Primeira Guerra Mundial mas, sobretudo, a Segunda Guerra Mundial, alteraram este estado de coisas e a guerra passou a ser conduzida numa ótica de Armas Combinadas e de complementaridade e subsidiaridade entre os Ramos, sob um comando único, permitindo a utilização coordenada de todas as componentes, o que se tem mantido ao longo do último século, independentemente do avanço tecnológico ocorrido.

Entendo que a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, aprovada em 2021, aponta, ainda que de forma muito tímida, neste sentido, para uma organização por componentes, ainda que ao arrepio da tradição castrense portuguesa.

Tendo em conta a “teimosia” do governo em não cumprir o acordo com a NATO de investir 2% do PIB na Defesa Nacional, protelando sucessivamente esse desiderato, é fundamental que as Forças Armadas se organizem de forma eficiente e cada vez mais eficaz, pondo de lado desconfianças e ciúmes entre Ramos, por forma a potenciar os parcos recursos disponíveis e/ou disponibilizados pelos responsáveis políticos. No meu entendimento, a opção por uma organização por componentes, muito próxima do que a lei prevê para a organização em estado de guerra, consubstancia-se como lógica, criadora de sinergias, complementaridade e integradora de meios, técnicas, táticas e procedimentos e caminha no sentido que preconizo.

Numa óptica semelhante e assente nas mesmas razões históricas e de tradição, o Exército encontra-se organizado em permanência por Armas e Serviços (Infantaria, Artilharia, Cavalaria, etc.). No entanto, em exercícios ou em operações, isto é, temporariamente, organiza-se por funções operativas (Manobra, Apoio de Fogos, Apoio de Combate, etc.).

Estou em crer que deverá ser discutida a forma de organização permanente deste ramo. Pessoalmente, considero que deverá ser tida em conta uma estrutura baseada nas Funções Operativas, ou Sistemas Funcionais do Campo de Batalha, em detrimento da organização por Armas e Serviços, ainda que ao arrepio do que é tradicional e, certamente, com muita resistência interna.

No que concerne ao sistema de forças e ao dispositivo territorial, ao invés de Unidades de uma só Arma (e mesmo de um só Ramo/Componente), considero que se deve equacionar a criação de Unidades conjuntas e combinadas, à imagem das já existentes nos EUA “Joint Expeditionary Bases”. Um dispositivo baseado neste pressuposto implica, a montante, uma estrutura única de planeamento e emprego dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis e, como tal, centralizado no Comando das Forças Armadas.

Pretendi com estas linhas deixar um contributo à discussão para uma organização diferente, eventualmente mais eficaz, das Forças Armadas, sabendo que o adiamento de reformas estruturais só beneficia quem, por enviesamento ideológico, as pretende fragilizar e tornar irrelevantes, tendência que se tem revelado praticamente constante nos últimos cinquenta anos e, indubitavelmente, na última década.