Nos últimos dias assistiu-se a uma tentativa de descredibilização do Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) pela ideia de construção de um meio naval “revolucionário” que permitiria ao Estado português exercer a autoridade no espaço marítimo à sua guarda. Não partilho essas críticas. No presente artigo tenciono apresentar motivos justificativos para a alteração do peso específico entre os ramos das Forças Armadas e a necessidade de maior investimento em meios navais e aéreos (onde se inclui a plataforma naval referida).

Pode ler-se na Estratégia para o Mar 2021-2030 (ENM 2021-2030) que “Portugal é um país oceânico, com uma linha de costa de cerca de 2500 km, contando com uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo que se estende por 1,7 milhões de km2, incluindo uma grande diversidade de ecossistemas e de recursos. O triângulo marítimo português (continente, Madeira e Açores) constitui 48% da totalidade das águas marinhas sob jurisdição dos Estados-Membros da União Europeia (UE) em espaços adjacentes ao continente europeu. Acresce a importância da plataforma continental, estendida para além das 200 milhas náuticas, cujo processo de delimitação está a decorrer junto das Nações Unidas e que aumenta, para 4 100 000 km2, a área abrangida pelos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição nacional, alargando assim direitos de soberania, para além da Zona Económica Exclusiva (ZEE), para efeitos de conservação, gestão e exploração de recursos naturais do solo e subsolo marinhos, e que tornará Portugal ainda mais atlântico”. A porção terrestre nacional ocupa uma área aproximada de 92 000 Km2, pelo que mais de 95% do território português é mar! A considerar, ainda, os arquipélagos dos Açores e da Madeira que, tornando Portugal um país arquipelágico, obrigam a manter as linhas de comunicação marítimas abertas em qualquer situação. Urge, pois, garantir a soberania nesse espaço, exercendo a autoridade do Estado e fortalecendo o posicionamento geopolítico e geoestratégico de Portugal.

No documento já referido, ENM 2021-2030, na análise SWOT, foram levantadas como ameaças, entre outras, a pesca ilegal, a biopirataria, a pirataria e outros atos ilícitos marítimos, redes de imigração ilegal e a confrontação geopolítica, tendo sido detectada a vulnerabilidade da insuficiência de meios. Sendo este artigo orientado para as questões das Forças Armadas, centrar-se-á na organização e nos meios colocados à sua disposição, tendo em consideração este enquadramento geral.

Os recursos financeiros disponibilizados às Forças Armadas no Orçamento do Estado de 2022 contemplam a seguinte distribuição (retirando o referente ao PRR, visto ser uma verba de caráter extraordinário):

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EMGFA – 139,2 M€
Marinha – 419,4 M€
Exército – 495,6 M€
Força Aérea – 369,1 M€
Total – 1423,3 M€

Retirando o valor atribuído ao EMGFA, perfaz um total de 1284,1 M€.

A percentagem, por ramos, aproxima-se dos 32% para a Marinha, 39% para o Exército  e 29% para a Força Aérea.

No que se refere a Recursos Humanos (militares), onde se incluem os dos Quadros Permanentes, no ativo e na reserva, assim como os dos Regimes de Voluntariado e de Contrato, em dados de 2016, visto serem os mais recentes disponibilizados em fontes abertas, serviam, na Marinha 8758 militares, 15077 no Exército e na Força Aérea 6662, num total de 30497.

Numa análise percentual, a Marinha contava com cerca de 29%, o Exército com cerca de 50% e a Força Aérea com aproximadamente 21%.

Atendendo à data da última disponibilização dos dados, como referido, é possível que os meios humanos à disposição das Forças Armadas sejam, hoje, substancialmente mais reduzidos. De acordo com um esclarecimento do Ministério da Defesa Nacional (MDN) de 22 de janeiro de 2022, os efetivos militares, a 31 de outubro de 2021, eram de 27 715. Se se aplicarem as percentagens dos Ramos de 2016, teríamos na Marinha cerca de 8037 militares, no Exército próximo de 13857 e na Força Aérea aproximadamente 5821.

Independentemente da escassez de recursos que, invariavelmente, o estado disponibiliza às suas Forças Armadas para garantir a função de soberania que é a de defesa nacional, a porção de território marítimo sob jurisdição portuguesa e os compromissos assumidos por Portugal, no quadro da arquitetura de defesa e de segurança das diversas organizações internacionais onde se integra, parece existir um desequilíbrio acentuado entre os que são disponibilizados à Marinha e à Força Aérea e os que o são ao Exército, com prejuízo para os primeiros.

É, contudo, em terra que se encontram os centros de decisão nacionais que é necessário defender. Em caso de conflito entre potências, no âmbito do pré-posicionamento de tropas no flanco leste da Aliança Atlântica, aprovado em junho deste ano em Madrid, serão deslocadas tropas terrestres para esses “teatros de operações”. A cultura e a História sempre promoveram a existência de um Exército com mais meios que os outros Ramos. No entanto, em termos históricos, existia um império que tinha que ser defendido e que deixou de existir, o pré-posicionamento de tropas não necessita de mais meios terrestres em relação aos previstos e os centros de decisão defendem-se com as três componentes (sobretudo quando os mesmos se situam, na sua maioria, na porção litoral do território). Neste quadro, urge equacionar a alteração do peso específico entre Ramos, assumindo também que Portugal é uma potência marítima, ou dela aliado. Esta análise deverá ser acompanhada por um estudo para a reorganização total das Forças Armadas, numa óptica de complementaridade e subsidiariedade, que deverá apontar para uma estrutura assente em componentes, com a logística e a administração de recursos comuns às componentes, estando a terrestre orientada para o exercício de soberania no interior do território nacional e para a garantia da liberdade de ação das forças aeronavais, aquarteladas em infraestruturas comuns multicomponente (conjuntas) sempre que possível, sendo as forças aeronavais responsáveis pelo exercício da autoridade do Estado nos cerca de 97% de território nacional (o mar e o espaço aéreo sob jurisdição nacional).

Disponibilizando o Estado recursos escassos ao cumprimento desta função de soberania, é tempo de refletir para além dos muros da nossa “quinta” e projetar umas Forças Armadas conjuntas, interoperáveis e que cumpram o desígnio nacional que é o Oceano.