Foi aprovado, em junho deste ano, o novo “Conceito Estratégico da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)” e convidados mais dois países para o seu seio (Suécia e Finlândia). Durante o ano de 2023, será discutido e aprovado o novo “Conceito Estratégico de Defesa Nacional”, de onde decorrerão, ou deveriam decorrer, os novos conceitos estratégicos particulares (militar, económico, de segurança Interna, etc.). No que às Forças Armadas diz respeito, subsequentemente à aprovação do “Conceito Estratégico Militar”, serão redefinidas as capacidades militares, o sistema de forças, o dispositivo e os recursos.

Com a recente nomeação da comissão responsável pelo documento, parece que o objectivo de se ter um verdadeiro conceito estratégico de Portugal não será atingido, já que fica limitado o campo de estudo somente aos desafios a que as Forças Armadas estarão sujeitas. Parece ser redutor!

Todavia, estes dois documentos (“Conceito Estratégico da Aliança” e “Conceito Estratégico de Defesa Nacional”) serão estruturantes para a Defesa Nacional e, tendo em conta a situação de guerra vivida no leste europeu, irão levantar um conjunto de questões que se tornarão assuntos emergentes (ou revisitados) nas Forças Armadas.

Estou em crer que deverá vir a ser novamente debatida a forma de prestação de serviço militar, “Serviço Militar Obrigatório” (Serviço Cívico Obrigatório?) ou “Serviço Profissional”. Será, provavelmente, discutida a forma de organização das Forças Armadas: irá manter-se uma estrutura assente nos existentes três Ramos ou, por outro lado, iremos caminhar para uma estrutura assente em componentes? No quadro do Exército, poderá ser igualmente colocada a possibilidade de uma organização diferente e, em detrimento da divisão por Armas e Serviços, aplicar uma organização assente nos Sistemas Operativos (ou Sistemas Funcionais do Campo de Batalha).

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A componente “Ciber” será aprofundada. Sendo Portugal um país arquipelágico, cuja área marítima é significativamente mais extensa que a terrestre, o peso relativo dos Ramos (ou componentes) sofrerá alterações, com uma diminuição significativa da importância da componente terrestre (Exército) e um aumento da importância das outras duas (ou três, se incluirmos a Ciber) componentes? (Também neste campo, a recém-nomeada comissão de revisão do CEDN faz-me recear que se persista numa visão mais Continental e menos Atlântica. Veremos!)

Abordarei cada um destes temas, individualmente, em artigos subsequentes. No entanto, de seguida, apresentarei, de forma sintética, a minha opinião sobre cada um deles.

Forma de prestação de serviço militar. Este tema foi já abordado num artigo anterior. Não sou defensor da obrigatoriedade de um serviço para o qual deveríamos estar naturalmente compelidos a exercer de forma voluntária, seja o serviço militar, seja, de uma forma mais lata, o serviço cívico. Pessoalmente, considero que é de manter a profissionalização das Forças Armadas, complementadas com um Corpo de Reserva capaz de fazer face a necessidades urgentes e, até ao momento de, em caso de Estado de Guerra, se proceder à convocação e mobilização dos cidadãos.

Em relação à organização por Ramos ou por componentes e, no caso do Exército, por Armas e Serviços ou por Sistemas Operativos, aceito que a minha opinião possa ser controversa. A organização por Ramos tem a sua origem nos tempos em que era possível fazer a guerra de forma independente. O Exército era responsável pela condução da guerra em terra e a Marinha era responsável pela condução da guerra no mar, sem interdependências significativas entre esses dois ramos. A Primeira Guerra Mundial mas, sobretudo, a Segunda Guerra Mundial, alteraram este estado de coisas e a guerra passou a ser conduzida numa ótica de Armas Combinadas e de complementaridade e subsidiariedade entre os Ramos. Entendo que a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, recentemente aprovada, aponta, ainda que de forma muito tímida, para uma organização por componentes, ao arrepio da tradição castrense em Portugal. No meu entendimento, esta é a opção mais lógica, criadora de sinergias, complementaridade e integração de meios, técnicas, táticas e procedimentos.

 O Exército encontra-se organizado em permanência por Armas e Serviços (Infantaria, Artilharia, Cavalaria, etc.). No entanto, em exercícios ou em operações, isto é, temporariamente, organiza-se por sistemas operativos (Manobra, Apoio de Fogos, Apoio de Combate, etc.). Acredito que será novamente discutida a forma de organização permanente deste ramo. Pessoalmente, considero que a direção será no sentido de uma estrutura baseada nos Sistemas Operativos, em detrimento da organização por Armas e Serviços, ainda que ao arrepio da tradição e, certamente, com muita resistência interna. Ao invés de Unidades de uma só Arma (e mesmo de um só Ramo), defendo que se comece a equacionar a existência de Unidades conjuntas e combinadas, à imagem do já existente nos EUA: as “Joint Expeditionary Bases”.

No que concerne à componente Ciber, iremos continuar numa ótica de Ciber-defesa ou ir-se-á levantar a capacidade de Ciberataque? Em primeiro lugar, prevejo que iremos assistir à promoção de capacidade Ciber a componente do Sistema de Forças das nossas Forças Armadas. Assim sendo, é normal, natural e lógico que lhe seja conferida a possibilidade de defender e de atacar, ainda que tal possa implicar alterações ao quadro legal vigente e investimento em meios humanos e materiais. Não podemos limitar a atuação das nossas Forças Armadas em cenário de guerra que, cada vez mais, é também travada no ciberespaço.

Portugal é um país arquipelágico, cuja área marítima é cerca de 40 vezes mais extensa que a terrestre. Tomando-se também em conta a área de Busca e Salvamento sob responsabilidade nacional e o aumento da plataforma continental submetida por Portugal a aprovação à ONU, então a área terrestre pode ser considerada extremamente reduzida, quase exígua. De igual forma, historicamente, Portugal constituiu-se como Potência Marítima, ou foi desta aliado, o que leva a que a utilização das forças terrestres deva garantir a liberdade de ação das forças aeronavais, através da defesa das bases ou da porção de território necessário a essas operações. Contudo, é na parte terrestre do território que a população reside, que estão os centros de decisão nacionais e que, em última instância se decide a vitória ou a derrota numa guerra. Ainda assim, considero que deverá ser discutido e alterado o peso relativo dos Ramos (ou componentes) entre si, e, consequentemente, ser reduzida a importância da componente terrestre (Exército) e aumentada a importância das outras duas (ou três, se incluirmos a Ciber) componentes.

Atendendo ao caráter potencialmente controverso destas propostas, discuti-las-ei, de forma mais aprofundada, em artigos posteriores.