Estou cansado. Tão cansado! Farto talvez seja o termo.

A princípio (há tantos anos!), eu ainda acreditava, tinha uma espécie de crença optimisticamente inabalável. Mas agora já não.

Acreditava que as coisas iriam melhorar. Só podiam. Como não podiam?

E a observação diária das disfunções provocava em mim pensamentos automáticos de como as melhorar, resolver. “Se fosse assim”, “mudava-se isto”, “devia ser daquele modo”.

Só que fazer essa mudança nunca dependia de mim. Mas dependia de mim fazer aquilo que eu fazia. E então fazia o meu melhor.

Parvo. O meu melhor!

Sentia que eu fazia algo de diferente, de melhor, acima da média e da mediania. E que isso fazia a diferença e que faria a diferença. E acreditava que cada pequeno problema que o meu fazer melhor solucionava, ultrapassando e derrubando cada disfuncionalidade, alheia e do todo, valia a pena e mudava qualquer coisa, a caminho da tal melhoria que havia de vir.

E encontrava motivação em cada pessoa que ficava mais feliz, satisfeita, melhorada graças ao meu melhor.

Mas agora já não. São já muitos anos de ver que nada muda, tudo permanece na mesma. Ou então pior.

Perdi a crença. A crença no melhor que ainda está para vir. Não há nenhum melhor para vir. É o que é. E o que é é isto.

Para os menos capazes ou incapazes, que fazem pouco, mal, e tarde, não há consequências nem represálias. Somente menos lhes é dado para fazer. Cada vez menos.

Os mais capazes, que fazem mais, bem feito e a tempo, esses têm sempre a recompensa: mais ainda para fazerem. Sempre mais. Com uma pancadinha nas costas. Good boy!

Nenhuma boa acção permanece sem castigo. É mesmo verdade.

Eu sempre recusei, neguei com todas as minhas forças essa verdade e esse caminho. Não seria essa a minha realidade. Continuaria a fazer a minha diferença, pequenina, isolada, mas o meu melhor, e tudo aquilo que posso.

Acreditava que essa minha diferença viesse a ser inspiração, que constituísse exemplo e motivação para outros como eu, e que todos juntos, sendo cada vez em maior número, finalmente operássemos a mudança necessária para que o todo se alterasse.

Eu era novo e não sabia. Que o todo nunca se altera. Que o seu peso é excessivo. E que não há qualquer mecanismo de retorno virtuoso. E que o todo mastiga e tritura o mérito e promove a mediocridade.

Eu realmente via-os, os mais velhos que eram capazes. De olhos baços e sem energia. Eram eles os que mais me espantavam.

Não me surpreendiam os incapazes, aqueles que já eram incapazes quando novos, tinham evoluído incapazes e estavam agora no topo com a mesma incapacidade de sempre.

Eram os outros. Aqueles em que eu reconhecia a capacidade de fazer melhor, em que eu via o saber, e em que havia registos amplos e reconhecidos da sua capacidade e dos seus feitos prévios. Mas que agora já não tinham energia, vitalidade, vontade. O que faziam era ainda relativamente bem feito, mas pareciam procurar não ver o que havia a fazer, e apenas fazer o mínimo. Não tinham brilho nos olhos. Parecia que tinham desistido. Eram capazes, mas não faziam a diferença. Faziam o mínimo.

E agora sou eu. São já muitos anos disto.

Muitos anos de ver os melhores serem sempre quebrados, pouco a pouco, com o peso das disfuncionalidades, com os obstáculos lançados no seu caminho, com todo o seu esforço ser emperrado, com a recompensa zero e o castigo constante de mais trabalho ainda.

E quebrados ainda mais por verem os incapazes caminhando calmamente ao seu lado, os que mais se queixam e menos fazem. E cada vez menos fazem. E mais se queixam. Sem qualquer consequência, e com uma recompensa idêntica. Ou recebendo mais ainda.

Aos incapazes ninguém pede mais nada. Nem mais uma hora, nem mais um dia, nem mais um processo. São incapazes.

E os melhores foram quebrando um a um, ao longo dos anos, sob os meus olhos. A maioria partiu, foi-se embora para onde a sua capacidade fosse reconhecida e recompensada e o seu melhor pudesse dar frutos e ser impulsionado em vez de ser abafado. Os outros, os capazes que ficaram, foram desistindo.

Em terra de cegos, quem tem olho… é cegado pelos outros.

Eu achei que comigo não seria assim. Nem partiria (este sentido de missão será a minha ruína), nem desistiria. A minha motivação seria o trabalho bem feito e as pequenas diferenças que obteria a cada dia. Parvo.

Agora estou cansado e farto. Velho. Também os meus olhos perderam o brilho.

E vejo os novos chegarem, os incapazes e os capazes, e o ciclo interminável recomeçar. Ninguém vê. E os que vêem, fingem que não vêem e não querem saber. Nunca quiseram saber.

Função Pública.

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