Soube da história, deliciosa, pelo “Isto é Gozar com quem Trabalha” (essa fonte informação de referência): um indivíduo azeri, de passaporte israelita, terá entrado na Portugália do Cais do Sodré e exibido o ecrã do telemóvel onde se lia a palavra “granada”. Preguiçosos: vêm atacar um país e nem se dão ao trabalho de aprender a dizer “granada” em português – ao menos, os artistas aprendem a dizer “obrigado”. Mas adiante: pânico. Gritos. Tensão. O terrorismo tinha, enfim, chegado à placidez lusitana. A escalada da tensão internacional finalmente rebentava na margem do Tejo. Porquê especificamente na Portugália? O bife já foi melhor, mas será motivo para tanto? Não bastava uma crítica no Google? E porque não o Ramiro? O Solar dos Presuntos? Ou um desses restaurantes para turistas que leva 15 euros por pastel de bacalhau e meia pensão por uma travessa de sardinhas?
Questões para mais tarde. Por agora, era preciso actuar. Veio a polícia, o Ministério Público, a PJ. O malfeitor, mostra o vídeo amador partilhado pela CMtv, foi imobilizado no chão do belo Cais do Gás e, presume-se, revistado… Afinal, não havia granada nenhuma. O homem de 36 anos, turista, ter-se-ia sentido mal e entrado no restaurante para pedir uma romã. Não sabendo português, escreveu em russo no telemóvel o que a aplicação entendeu traduzir por “granada”. Tudo um mal-entendido divertido. Estávamos a salvo. Podiam continuar a sair os bifes com molho de manteiga. Ainda não era desta que eram postas à prova as certamente notáveis capacidades de defesa da pátria ao dia de hoje.
O tradutor automático tem sido dado como culpado do caso, o bobo de uma história de travo exótico, mas a acusação parece leviana. Não era preciso um azeri a teclar em russo nem a má fama dos tradutores digitais para suceder tal qui pro quo; bastaria um vizinho espanhol levantar o braço e pedir em voz alta uma fruta para sobremesa. Sim, “romã”, em castelhano, diz-se “granada”, tal como em francês se diz “grenade” e em inglês “pomegranate”, todos derivados do longínquo latino “malum granatum”, que é como quem diz, maçã granulada. Ou seja, as sementes do fruto são, neste caso e como sempre, a origem de todo o mal – e de todo o bem. Não é a romã que se diz “granada”; é a granada que recebeu o nome da romã por perversa similitude física com aquela inocente maravilha.
Ainda assim, algo na história parecia não bater certo… Um tipo sente-se indisposto e pede uma romã? Há quem peça água, água com gás, água com açúcar, água com limão, água com uma coisa qualquer, um doce, um ben-u-ron—até uma banana – mas romã?
Fomos averiguar os benefícios. Diz a internet: a romã é um dos frutos mais saudáveis do planeta. Invulgarmente rica em antioxidantes, fibra, vitaminas e minerais, previne a tensão alta, combate a diabetes, a artrite e o acne, faz bem ao coração, à pele, à flora intestinal, à memória e à saúde bucal. Está associada à redução do risco de certos tipos de cancro, fortalece o sistema imunitário, estimula o crescimento do cabelo, ajuda a regular o peso, o fluxo menstrual e até a produção de testosterona. Que problema terá tido, ao certo, o azeri? Não interessa. A romã não é bem um medicamento; é a farmácia inteira.
Terá tido origem no Irão, antiga Pérsia, espalhando-se, depois, pelo Mediterrâneo. Pela abundância de sementes, foi um símbolo de fertilidade para o Egípto, Grécia e Roma. Quando os primeiros mensageiros judeus regressam ao Egipto, são romãs que trazem para demonstrar a fertilidade da Terra Prometida. É uma romã que a criança carrega quando aparece em sonhos diante do mercenário João Cidade, futuro São João de Deus, para lhe dizer que Granada, precisamente, será a sua cruz e o seu destino.
Revejo o vídeo da CMtv. Se o homem já ia maldisposto, imaginem depois de levar com três PSPs em cima. Gostava de lhe oferecer uma das minhas romãs, as primeiras, a que o meu sobrinho chama “fruta do Outono”.
Fica uma daquelas pequenas histórias caricatas, benignas, que fazem Portugal, às vezes, parecer de facto um milagre de paz no meio de um mundo a fervilhar tensão por todos os lados. Mas, no fim, o que teria sido mesmo subversivo, era atacar realmente armado de romãs. Entrar pelos restaurantes, empresas, ministérios, parlamento e gritar: “Não se mexam! Eu tenho uma romã!” Um fruto com o dom da cura, nascido no Irão e amado pelos judeus e que, ainda por cima, é um afrodisíaco natural.
Um dia, fazemo-nos isto: atacamo-nos com o amor.