Alguns dias antes do Natal, o INE partilhou um conjunto muito interessante de dados sobre as filiais de empresas estrangeiras em Portugal. Incidem, nomeadamente, sobre a produtividade, as remunerações e o peso dessas filiais na nossa economia. A análise destes dados pode dar-nos importantes pistas sobre o que está certo e errado no nosso tecido empresarial.
Segundo o INE, estas filiais, apesar de só representarem 2,1% do total do tecido empresarial, empregam 18,5% dos trabalhadores portugueses, representam 29% do volume de negócio nacional e, são responsáveis por 27,8% da geração de valor acrescentado bruto no nosso país.
Os malfadados capitalistas, o perigoso “Grande Capital”, os “exploradores das classes desfavorecidas”, são assim responsáveis por 13,2% do P.I.B. Português. Mais, estes “interesses instalados, que têm enormes lucros e pagam baixíssimos salários” remuneram afinal os seus trabalhadores com salários 42,5% acima da média das restantes empresas que operam em Portugal.
Como conseguem afinal estas empresas, sujeitas às mesmas condicionantes que as outras, com acesso à mesma população para contratar, e instaladas no mesmo país “pequeno e isolado do resto da Europa” ter resultados tão diferentes das demais?
Vejamos, a produtividade destas empresas é em média 67% superior à das empresas portuguesas. Apesar de haver certamente muitos outros motivos para esta maior produtividade, penso haver um que é essencial apreciar: a escala.
Enquanto entre as empresas portuguesas, num país onde há o culto das PME, o número médio de colaboradores é 6, nestas filiais de empresas estrangeiras esse número salta para 64, mais de dez vezes superior.
Em Portugal há, pelo menos desde 1974, uma cultura de desdém e quase ódio aos grandes empresários e às grandes empresas. Não é raro vermos comentar o lucro de grandes empresas como algo negativo nos nossos media. A própria classe política embarca demagogicamente, da extrema-esquerda à extrema-direita, neste discurso, com propostas como a da taxação dos lucros “excessivos”, se é que isso existe.
Ao que parece, no nosso país é “excessivo” se bancos, gasolineiras e outras grandes empresas, por saberem ler os mercados e posicionar-se para beneficiar do que se passa no mundo, forem recompensadas financeiramente pelas suas apostas certeiras.
O carácter Socialista com que a esquerda quis, e de certa forma conseguiu, conotar a revolução de Abril significou que esta aversão ao “grande capital” se tornou sistémica e ficou enraizada na consciência colectiva do país. O facto de o nosso IRC ser progressivo, ou seja a percentagem a cobrar (a título de derramas) ir aumentando consoante os lucros aumentem, mostra bem a nossa cultura fiscal avessa a grandes grupos económicos.
Apesar de a taxa de IRC (excepto para lucros inferiores aos 25.000€) ser de 21%, a realidade é que a maior parte destas grandes empresas acaba por pagar uma taxa efectiva de 31,5% ou perto disso, quando acrescida das derramas. É verdade que o Orçamento de Estado para 2024 altera um pouco estas contas, mas é uma diferença tão pequena que mal se fará sentir na maioria dos casos.
O que estudos e dados como estes que o INE publicou mostram é que as grandes empresas, ao contrário do que muitos acreditam, pagam melhores salários e criam postos de trabalho mais atractivos. Na realidade, Portugal precisa de “grande capital” como de pão para a boca. A gestão mais profissionalizada e a maior produtividade destas empresas significam uma maior contribuição para os cofres do Estado. Os impostos pagos por estes grupos ajudariam a equilibrar os orçamentos que, dez anos depois de António Costa ter declarado o fim da austeridade, continuam a recorrer a cativações e aumentos de impostos para garantir a sustentabilidade financeira do país.
A criação de postos de trabalho mais atractivos, também seria uma boa forma de tentar parar, ou pelo menos atenuar, a vaga de emigração altamente qualificada a que temos assistido na última década. Um terço dos jovens nascidos em Portugal, com idades entre os 15 e os 39 anos, já vive no estrangeiro, não é sustentável.
Outra vantagem das grandes empresas para o Estado, é que praticamente não têm hipótese de fuga aos impostos e à fiscalização, contribuindo assim para diminuir a informalidade da economia. Algumas estimativas apontam para esta economia paralela tenha um peso de 25 a 30% do P.I.B. O facto de algumas empresas conseguirem evitar o pagamento de impostos, não só é uma injustiça grosseira, como permite que empresas pouco produtivas e pouco saudáveis se mantenham em operação em vez de irem à falência.
As falências, ou melhor, a aversão às falências que há em Portugal distorce o mercado, e prejudica gravemente quem compete respeitando as regras. A manutenção de empresas inaptas no mercado atrasa muito a inovação, por não permitir a saudável substituição das mesmas por outras com melhores produtos e/ou estratégias.
Resumindo, a forma socialista como se olha para as empresas significa que o Mercado em Portugal está altamente condicionado e distorcido. Empresas pouco saudáveis economicamente, sem escala, e que por vezes operam à margem da lei em termos fiscais, pagam maus salários, e isso contribui para a manutenção das baixas remunerações que se praticam por cá.
A esquerda tem procurado nos últimos 50 anos incutir nos portugueses o medo do “Grande Capital”, mas a verdade é que sem ele o nosso país não vai deixar de ser pobre.
Ao contrário do que nos tentam vender, os empresários não são as criaturas horrendas que querem explorar os seus trabalhadores. Tanto não são, que no fim do ano passado assistimos a empresas como a Mercadona aumentar os seus trabalhadores em 8,5%, ou a Jerónimo Martins distribuir um bónus de 350€ por quase todos os trabalhadores.
Eu sonho com um Portugal próspero, com capacidade de reter o talento que cria, e com capacidade de se sustentar financeiramente sem as tranches de Bruxelas. Pode ser para já só um sonho, mas devíamos ir por esse mundo fora mostrar porque vale a pena investir em Portugal, e agitar cartazes que digam “Grande Capital: procura-se!”