Tenho ouvido várias vezes a expressão “a Grécia de Fernando Santos.” Imagino que quem a usa quererá dizer ou que a Grécia pertence a Fernando Santos ou, mas menos provavelmente, que Fernando Santos pertence à Grécia. Claro está que, se a palavra ‘pertence’ for tomada no sentido normal, nem a Grécia pertence a Fernando Santos nem Fernando Santos pertence à Grécia. Mas um problema parecido continuaria a levantar-se nas expressões populares “a Grécia de Sófocles” e “o Portugal de Isabel dos Santos.”

É irrazoável esperar que Fernando Santos inclua a Grécia na sua declaração de património. A expressão “a Grécia de Fernando Santos” serve antes para identificar a Grécia através de uma sua característica ou atributo. ‘Fernando Santos’ é o nome desse atributo. A expressão é parecida com ‘Aveiro dos ovos moles’, ou ‘O rapaz da camisola verde,’ embora com uma diferença. Tal como a expressão ‘Aveiro do Apfelstrudel” é normalmente usada na Áustria para descrever Aveiro por meios vienenses, a expressão “a Grécia de Fernando Santos” é usada em Portugal para descrever a Grécia por meios portugueses.

Não é invulgar descrever uma coisa que não conhecemos com a ajuda de atributos que nos são familiares. Em Portugal chama-se a Aveiro Veneza portuguesa. Por outro lado, é menos frequente chamar a Veneza Aveiro italiana. A razão é fácil de perceber: dizem os que conhecem as duas cidades que, apesar das várias características notáveis da cidade de Aveiro, é exagerado ver Veneza como um exemplo das características notáveis de Aveiro. Embora eu não conheça Fernando Santos, é possível que “a Grécia de Fernando Santos” seja também um exagero.

Se for exagero, parece-me ser o exagero de imaginar que este mundo é sempre melhor descrito por meios portugueses. O exagero é no entanto cultivado em Portugal com afinco. Um filósofo disse uma vez que temos tendência para construir o passado de que gostaríamos de ter descendido. Dar-se-á o caso de os portugueses serem sensíveis à ideia de descender da Grécia de Sófocles e Fernando Santos? Não me parece. A implicação da expressão “a Grécia de Fernando Santos” é pelo contrário a de que a Grécia descende de Portugal; e que, por essa razão, a Grécia clássica, ou pelo menos a actual República Helénica, é um fruto das núpcias de Sófocles e Fernando Santos; e que por essa via é neta de Portugal. Os relatos de actividades dos portugueses no estrangeiro dão muitas vezes a ideia de que o mundo descende inteiro de Portugal. A noção foi primeiro expressa com azedume por um conhecido escritor brasileiro do século dezassete: para nascer, observou o Padre António Vieira, não há como Portugal.

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