António Costa é a ilustração, à escala da política, da diferença entre um actor e uma estrela de cinema. Um actor adapta-se ao papel. Uma estrela adapta o papel a si. No papel de primeiro-ministro como no de líder do PS, a motivação e a técnica de Costa, se não deixam dúvidas, deixam evidências.

Costa sabe contar história

Nos apetrechos do primeiro-ministro, o mais importante é o soft power de uma boa história. Numa altura em que o volume e a velocidade da informação a tornam cada vez mais difícil de processar, na política ganha quem junta os pontinhos todos da maneira mais simples e intuitiva. Quem dá certezas emocionais, mesmo à custa da compreensão racional. Quem faz acreditar, ter fé – quem sabe engendrar mitos. Em suma, ganha quem conta a melhor história, seja a do «combate à direita neoliberal» ou outra aventura parecida.

Nunca ficar à mercê dos factos é a peça central da estratégia de Costa. A partir daí, nas mãos de um perito como ele, uma boa história, com simplificações fortes, curtas e grossas, é um instrumento que desfaz adversários. António José Seguro e Passos Coelho em primeiro lugar, mas exemplos não faltam, dentro e fora do Parlamento.

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Costa sabe que é tudo uma questão pessoal

Costa já compreendeu que as ideias e as instituições não têm o peso que tinham. Que a política é cada vez mais uma coisa pessoal. Mais centrada nas personalidades, nas características aparentes de cada um. Menos ideologia, menos organizações, mais personagens individuais, é o ecossistema de hoje.

Neste ambiente, a vida pública transforma-se facilmente num melodrama clássico, com bons e maus. Visto da assistência, as palavras, as opiniões dos protagonistas políticos deixam de estar assentes em princípios e programas estruturados e passam a ser traços do carácter, indícios da sensibilidade, sinais do estado de alma de quem as emite. Por isso, a aprovação ou rejeição das ideias depende de quem as trouxe, mais do que propriamente dos conteúdos e da razão por trás.

Costa sabe que tudo é teatro

Também aqui o primeiro-ministro leva vantagem. Se a política é melodrama, quer dizer que é romance, escapismo – teatro. Um certo tipo de teatro, feito de extremismos sentimentais, de humor básico, de incidentes e efeitos especiais – tudo qualidades antigas de Costa, ainda ele não estava na Câmara de Lisboa. Um bom actor político desta escola, além de ser um bom político, é fatalmente um bom actor. Isto é, é alguém com um talento acima da média para a ilusão, para dar a volta à plateia. Um político com o dom, não de fazer pensar, mas de evitar que pensemos demais.

Vistos por aí, os discursos de Costa no último congresso do PS foram um espectáculo apaixonante, perfeito na invocação encantatória dos temas rituais – habitação, sociedade digital, igualdade, portuguesas e portugueses, guerra à precariedade, acordo para as novas gerações e as outras que estão. E portuguesas e portugueses.

Antes, houve a inspiração de apresentar o PS como um ponta de lança anticorrupção. E para rematar, o passe de mágica do «now you Sócrates, now you don’t». Realmente não é todos os dias que vemos uma exibição desta natureza.

Costa sabe vender proximidade

Um truque recente mas nem por isso menos impressionante é Costa ser capaz de gerar ilusões de intimidade entre ele e o seu público. Esta relação de proximidade à distância, de quem já passou muito tempo junto sem nunca se ter encontrado, tipicamente acontece com outras figuras conhecidas – músicos, actores, apresentadores de televisão. Até com personagens de telenovelas. Com um político português, é raro acontecer.

Neste momento ainda se nota que não lhe sai naturalmente, mas a evolução do primeiro-ministro nesta competência de radiar proximidade, de largar que faz parte da mobília, de difundir que ele e nós é tudo família – esta evolução tem sido tremenda nos últimos dois anos.

Costa sabe que o mercado é que manda

Um espectador minimamente atento percebe logo que o também líder socialista não usa ideais nem convicções para criar propostas, programas, agendas para a década, para a seguir apresentar o pacote ao eleitorado, defendendo-o com argumentos rijos. Nada disso. Costa não é «product-driven» – é «market-driven».

Isto é, começa por estudar o mercado e só depois desenvolve o seu produto político, à base das necessidades e das preferências dos consumidores eleitorais. Sondagens, inquéritos, focus groups, menos açúcar, menos gordura, mais sal, mais estaladiço na boca – estes os pontos críticos do acesso ao cliente feliz. A partir daí, é execução.

Esta é a diferença, no mundo de Costa, entre saber o seu papel e andar aos papéis.

Costa sabe a quem não tem de agradar

Dito isto, o primeiro-ministro não tem fantasias de que vai agradar a toda a gente. Não lhe passa sequer pela cabeça andar preocupado com as reacções das pessoas que já sabe que não o querem. Ou por outra: é mais uma oportunidade.

No início, em 2016, quanto pior dizia a «direita» da geringonça, mais promovia ela sem pensar o rasgo, a manha com que Costa resolveu um problema bicudo – a derrota nas legislativas. Acresce o factor emocional de a geringonça chatear as pessoas certas e assim se uniram as tribos.

Na política há duas grandes tarefas. Uma é ser bom político. A segunda, e determinante, é convencer toda a gente de que se é bom político. Resta saber se uma taxa de sucesso de 50 por cento é ou não bastantezinha.

Nuno Henrique Luz é jornalista