Inicialmente, hesitei em expor esta situação que estamos a passar. Quero proteger ao máximo a identidade da minha filha e tentei, de forma reservada, obter respostas. Mas depois de trocas de emails com respostas evasivas e da gravidade que este assunto representa, o silêncio deixou de ser opção.

A nossa filha mais velha, com apenas 10 anos, frequenta as aulas de Português promovidas pelo Instituto Camões em Londres. Recentemente, fruto de um acaso, descobrimos que crianças da turma dela – que inclui alunos de idades tão díspares como 6 e 11 anos – foram obrigadas a trabalhar um livro que introduz conceitos relacionados com ideologia de género.

Sem qualquer aviso ou preparação aos pais, as crianças foram confrontadas com frases do livro “Menino, Menina”, de Joana Estrela, como “Precisas de saber se és rapariga ou rapaz? Só olhando nem sempre és capaz.”, ou que a ”resposta [à pergunta] não está debaixo da roupa.”.

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Estas frases, apenas duas retiradas do livro, ultrapassam o debate, legítimo e sempre atual, sobre estereótipos e igualdade de género e introduzem claramente conceitos relacionados com identidade de género. Temas complexos e sensíveis já de si difíceis para adultos, totalmente inadequados para crianças, muitas delas em idade de ainda nem saberem ler ou escrever.

Faz sentido perguntar a uma criança de 6 anos (ou 10!)  se precisa saber se é “rapariga ou rapaz”? Ou levá-la a questionar esse facto? E afirmar que “a resposta não está debaixo da roupa”? Qual o objetivo para se trazer este tópico para dentro de uma sala de aula onde o objectivo deveria ser ensinar Língua Portuguesa no Estrangeiro?

E aqui surge outra questão: de acordo com os documentos oficiais do programa do Ensino Português no Estrangeiro – A1, A2, B1 – não existe qualquer menção a temas relacionados com identidade de género. Impõe-se questionar aos responsáveis do Instituto Camões como é que esteve livro foi parar às mãos de crianças numa aula de Português? Quem foi que tomou a decisão de incluir isto no programa? Foi uma escolha individual da professora? Ou teve mão da Coordenação do Instituto Camões? Está o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que tutela o Instituto, a par deste tipo de actuação?

Este tipo de conteúdo não devia ter lugar numa sala onde o objetivo deveria ser ensinar a língua e, no limite, cultura portuguesas. Não se trata de ser contra ou a favor do tema, mas sim de uma questão de sensibilidade e responsabilidade pedagógica.

Saímos de Portugal há já alguns anos, e portanto não temos como saber se este caso retrata a realidade do ensino Português actual. Mas podemos comparar esta falta de transparência com as práticas das escolas públicas inglesas. Na escola que a nossa filha frequenta, os pais são informados com meses de antecedência sobre temas sensíveis como reprodução e sexualidade. Somos envolvidos nas fases-chave do desenvolvimento das nossas filhas, garantindo inclusão, transparência e respeito pelas famílias.

Partilhamos esta história porque, para nós, é importante que se saiba que há um organismo público, tutelado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, que está a introduzir ideologia de género em aulas de Português – sem aviso, sem consulta, e sem que isso faça sequer parte do programa de ensino.

Que confiança se pode ter numa instituição que, com dinheiros públicos, entra na esfera da “guerra de cultura”, fazendo uso da sala de aula para transmitir uma ideologia conhecida, entre outras coisas, por ostracizar e perseguir quem ousa responder sem hesitação à pergunta “o que é uma mulher”? Que agenda escondida tem o Instituto Camões para introduzir temas destes sem querer que se saiba?

É tempo de se procurar respostas claras e perceber o que se passa no Ensino de Português no Estrangeiro.