1 Uma primeira ilação destas eleições europeias diz respeito à política nacional. Necessitávamos de mais informação para compreender melhor o resultado das legislativas. Obviamente que os dois atos eleitorais não podem ser comparáveis, quer porque a abstenção é geralmente, e foi outra vez, muito maior nas europeias do que nas legislativas, quer porque nestas o que estava em causa era a governação do país, enquanto que a governação da Europa é algo mais distante para os portugueses, o parlamento europeu. De qualquer modo, o facto dos líderes partidários terem estado envolvidos nesta campanha permite que se façam leituras nacionais. O primeiro facto relevante, e pessoalmente agradável, é ter-se dissipado a dúvida sobre qual o peso sociológico real do ideário do Chega e do seu ideário. O partido e o seu líder alimentaram a narrativa de que teriam na mão um milhão de eleitores e alguns comentadores seguiram essa ilusão. Nunca subscrevi esta opinião que é agora refutada pelos resultados europeus. Estes mostram que essa base de apoio não ultrapassa, mesmo assumindo a taxa de abstenção das legislativas, metade dos votos conquistados nas legislativas. O fator Ventura/Tânger é também relevante. Bruno Nunes, deputado do Chega disse, com alguma razão “no dia em que o André sair, o Chega passará para um ou dois deputados”. O novel conselheiro de Estado pensará agora três vezes, antes de criar uma crise política que possa precipitar eleições legislativas. A segunda novidade é a subida da Iniciativa Liberal. Cotrim de Figueiredo, para além de bem preparado, tem uma grande vantagem mediática sobre Rui Rocha. É uma pessoa bem disposta enquanto Rocha é um homem zangado. Os eleitores não gostam de pessoas zangadas. O terceiro facto relevante é a incapacidade do partido ecologista português (Livre) eleger um deputado para o representar no parlamento europeu. Tal poderá em parte ser explicado pelos problemas das primárias, algo a ser melhorado, e o consequente pouco envolvimento de Rui Tavares na campanha. Finalmente, em termos agregados, os partidos de esquerda elegeram 10 deputados e os de direita 11 (9 sem o Chega), pelo que nada de essencial mudou em relação às condições de governabilidade do país: a AD não tem maioria absoluta nem a esquerda tem condições de governar. Espero que Pedro Nuno e o PS tenham também a sensatez de não criar uma crise política neste próximo orçamento de Estado.
2 Um segundo tipo de ilações diz respeito à recomposição das famílias políticas europeias, ao impacto nacional nalguns países (em particular França e Alemanha) e à forma como a Europa se prepara para enfrentar os seus principais desafios: a guerra, as migrações, o alargamento versus aprofundamento, as alterações climáticas e o desenvolvimento sustentável. Subscrevo muito do que disse Jeffrey Sachs que esteve recentemente em Lisboa: “Desenvolvimento sustentável significa um mundo que é economicamente próspero, socialmente justo, ambientalmente sustentável e em paz. E nós não temos nada disso actualmente.” É preciso resolver o problema prioritário das guerras. Também entende que a forma como os EUA, que lideram as opções militares europeias, têm influenciado o curso das guerras está no essencial errada. Poucos no ocidente têm tido a coragem de o dizer de forma tão clara. No contexto dos problemas europeus, os resultados das eleições permitem duas ilações em termos globais. Primeiro, que o peso dos grupos políticos europeístas (Partido Popular Europeu, Socialistas e & Democratas , Renovação Europeia e Verdes) continua a ser largamente maioritário, embora tenha perdido peso. Segundo, que os grupos políticos nacionalistas, populistas e eurocéticos (conservadores e reformistas, identidade e democracia e esquerda) continuam a ser minoritários embora tenham aumentado o número de deputados. Esta alteração, só por si, não é muito preocupante e reflete sobretudo que os europeus estão a dar mais atenção a problemas imediatos e com maior dimensão nacional (a insegurança e as migrações) do que às questões ambientais, de longo prazo e supranacionais (o que explica a queda dos verdes). O mais preocupante são os resultados na França e na Alemanha e o aumento da extrema-direita, em ambos os países, capitalizando em votos aqueles problemas imediatos. A guerra na Ucrânia e no Médio Oriente e a instabilidade na região do Sahel têm aumentado o fluxo de migrantes para ambos os países nos últimos anos. A AfD e o Reagrupamento Nacional de Le Pen beneficiaram desta realidade, pois os apoios sociais a estes migrantes são significativos (em particular na Alemanha) e existe uma perceção de insegurança a eles associada, seja ela real ou virtual. A reboque da migração vai toda a restante agenda (nacionalista, xenófoba, antisemita e anti LGBTIQ+). Porém, em França, a notícia da “morte” política de Emmanuel Macron, face ao descalabro eleitoral, pode ser manifestamente exagerada. Macron poderá beneficiar quer da crise e divisão no partido republicano, que ainda se mantém, e que pode levar a muitos dos seus eleitores a voltarem a votar em Macron, quer da nova frente popular aliando velhos inimigos da esquerda que podem não convencer parte deste eleitorado. A principal ilação destes resultados é que todos os partidos, e não apenas os da extrema-direita, devem perceber que para um número significativo de europeus a insegurança é uma percepção real e que a problemática das migrações, que só pode ter uma solução estrutural com a paz, o desenvolvimento e a segurança alimentar nos países africanos, precisa de uma resposta imediata.