As eleições do passado domingo deram origem a uma série de narrativas, algumas das quais contraditórias. Interessam-me sobretudo quatro “leituras” dos resultados que analisarei separadamente: a dimensão da abstenção; a aparente contradição de António Costa com a geringonça nacional, à esquerda, e o seu centrismo europeu; a evolução dos pequenos partidos e, finalmente, o crescimento do PAN.
1. Um dos maiores economistas do século XX, Joseph Schumpeter (1) disse perceber porque é que as pessoas dedicam mais atenção a um jogo de bridge do que à política, pela simples razão que no bridge as suas ações podem influenciar o resultado do jogo, enquanto que o seu voto individual não. Um seu ilustre discípulo, Anthony Downs, desenvolveu a hipótese da racional ignorância dos cidadãos. Para quê investir tempo e dinheiro em obter informação sobre os candidatos se quase nada se pode fazer a partir dessa informação? Ficou claro que os votantes nestas eleições europeias não diminuíram, mas aumentaram, que o aumento da taxa de abstenção teve razões técnicas (aumento de eleitores) e que não foi por falta de opções de escolha que os cidadãos não votaram (concorreram 15 partidos). A Europa é ainda uma coisa distante para os cidadãos, e estes sabem, e bem, que a sua capacidade de influenciar as decisões europeias é residual. Há várias medidas que poderão eventualmente contribuir para diminuir a abstenção, sendo uma a introdução de um sistema eleitoral com voto personalizado como argumentei recentemente (ver slide 6). Susana Peralta refere outras aqui. Até lá, respeitemos os abstencionistas.
2. Francisco Assis escreveu que “o que António Costa tem feito no plano europeu (…) contradiz absolutamente a solução política prevalecente em Portugal”. Enfatiza assim a sua discordância em relação à solução da “geringonça” nesta legislatura e sobretudo na próxima. Por seu lado Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE apressa-se a interpretar Assis. Na sua opinião existiria um Costa nacional, o progressista da “geringonça” e um conservador que quer “reforçar tratados liberais e antidemocráticos”. Afinal, estamos na presença de uma contradição? Não. A palavra “progressista” aplica-se a coisas distintas no plano nacional e europeu. No primeiro aplica-se a políticas sociais de esquerda financiadas com maior nível de fiscalidade, no segundo significa “progresso do projeto europeu”. Alguém tem dúvidas que Macron está entre os líderes europeus que têm propostas mais arrojadas para o reforço da integração da União Europeia? Costa, como político pragmático que é, tem trabalhado no plano europeu na área mais progressista e viável para o avanço do projeto europeu: os socialistas e democratas, os liberais e os verdes e não na área da esquerda unitária (onde está o BE e o PCP). A razão pela qual as duas plataformas políticas, no plano nacional e europeu têm coexistido é que a política da geringonça tem sido feita praticamente alheada dos temas europeus (não constam das posições conjuntas). A questão da viabilidade da “geringonça” para a próxima legislatura depende da capacidade, ou não, de haver uma agenda programática comum nacional consistente e de esta se manter separada da agenda europeia. Tenho reservas que tal seja possível.
Este artigo é exclusivo para os nossos assinantes: assine agora e beneficie de leitura ilimitada e outras vantagens. Caso já seja assinante inicie aqui a sua sessão. Se pensa que esta mensagem está em erro, contacte o nosso apoio a cliente.