Outra vez imigração, outra vez mal. Há uma ou duas semanas a extrema-esquerda apresentou na Assembleia Municipal de Lisboa uma recomendação para ser discutida e aprovada. Pedia um programa “anti-racista, multicultural, e para os direitos humanos” desenhado pelo município para a “educação” das crianças, a aplicar nas escolas de Lisboa. O aprimoramento educativo da extrema-esquerda pretendia “combater o racismo” e “promover a diversidade”, já que, na opinião da extrema-esquerda, nem as escolas, nem a disciplina de “cidadania”, nem os espectáculos que as associações de activistas mostram às crianças, nem as horas infinitas que a extrema-esquerda “comenta” na televisão, são eficazes a “combater o racismo” e “promover a diversidade”. E como, também de acordo com aquelas ilustres cabeças, tudo isto está cada vez pior, as pobres crianças precisam de mais extrema-esquerda municipal.
O primeiro parágrafo do documento descrevia uma série de crimes violentos que envolviam imigrantes e atribuía a todos motivações racistas, independentemente de terem ou não. Muitos casos, segundo os jornais e a polícia, não tinham. No parágrafo seguinte o documento informava que aqueles eram “apenas alguns” dos casos que chegaram ao conhecimento público, mas que “serão inúmeros os casos dos quais não teremos conhecimento”, pelo “compreensível medo das repercussões” para quem faz uma denúncia. Curioso. Se não temos nem se prevê que venhamos a ter conhecimento, como é que eles sabem? Não só que existem, mas também que são “inúmeros”? Com base neste desconhecimento, os autores da recomendação instrumentalizavam as vítimas (reais e imaginadas), insultavam os portugueses (por “racismo”), insultavam a polícia e as instituições (por “falta de confiança”), e apresentavam-se como defensores da “igualdade, da diversidade, e do respeito pelos direitos humanos”. Tudo isto faz parte de uma farsa assente em mentiras. E a primeira mentira é que eles defendem a diversidade. Não defendem.
Estamos perante uma das cruzadas dos beatos woke, e não há deformação mais doentia para o pensamento do que a santimónia woke; as criaturas sentem-se tão certas, tão santas, tão mimadas pelo mundo dos negócios, pelo regime, e pelas televisões, que perdem o hábito do contraditório. Ficam paralisadas, estupefactas de ouvir argumentos contra a sua presumida piedade. Nunca ocorreu a nenhuma daquelas almas a suspeita de existir gente que, ao mesmo tempo, fosse civilizada e discordasse delas. A pouco e pouco, tornaram-se incapazes de contra-argumentar: decretam que o adversário é pouco educado (ou “populista”), e procuram limitar-lhe a liberdade de expressão. De maneira que, até certa altura, a esquerda foi prescindindo da sua longa tradição doutrinária e fez do postulado woke o seu único programa. Desse dia em diante, a direita clássica portuguesa fez o que sabe fazer melhor: agarrou-se com unhas e dentes à sua tradição política de subordinação à esquerda. Eis a constatação que convém ficar bem estabelecida: da extrema-esquerda à “direita educada”, os paroquianos woke têm uma invencível relutância em lidar com a diversidade. Começa pela opinião. Por esse motivo, só lhes interessa conversar entre si. Ou com quem ponham num plano de inferioridade social e dependência: reduzidas à condição de “minorias” tuteladas, as “vítimas” não lhes podem responder de igual para igual e, nessa medida, não lhes levantam dificuldades. Pelo contrário, reforçam-lhes o sentimento de compaixão narcisista.
Descendo à matéria, porque é que está errado ir de escola em escola ensinar as crianças a distinguirem-se umas às outras? E explicar-lhes que é estimável tratar as mulheres como seres incompletos, razão pela qual elas devem obedecer aos homens da família e guardar recato escondidas debaixo de um pano? E convencer as crianças que tudo isto são costumes próprios de culturas igualmente civilizadas? Depois de uma manhã passada no pátio da Junta de Freguesia, com uma associação de activistas fardados a rigor para mostrar às crianças que os homossexuais são cidadãos que se vestem na sex-shop e usam maquilhagem de palhaço? E uma tarde em sessão de “Assembleia das Crianças”, habituando-as a contar o número de mulheres que compõe cada bancada, em nome da “igualdade de género” ou da “inclusão”?
Porque isso, para além da confusão intelectual, pressupõe dois erros graves. O primeiro é insultar a sociedade portuguesa, chamando-lhe “racista”, e atribuindo intenções e motivações racistas a todos os portugueses. Ou “xenófobas”, “homofóbicas”, “toxicamente machistas” ou “negacionistas” seja do que for. O insulto é produzido pela incompreensão, seja da sociedade, seja da existência individual, seja até do papel da política. E resulta numa atribuição de culpa generalizada, obviamente injusta e inaceitável. O segundo erro é dizer aos imigrantes, incluindo os legais, os que já trabalham aqui, “tenham cuidado, tenham medo, esta sociedade é racista, não vos pode receber; portanto voltem para trás, voltem para as vossas sociedades, elas são mais seguras do que a nossa”.
Era bom que os responsáveis políticos passassem mais tempo a ler e menos tempo a escrever. E ainda menos tempo a inventar “propostas concretas” e “medidas”. Afinal, a reflexão faz bem. Pelo menos uma parte desta gente podia chegar a compreender uma verdade simples: o que se deve fazer pelos imigrantes não é ir às escolas ensinar às crianças as culturas deles, nem apontar-lhes o nosso passado com julgamentos de moral anacrónica, nem iniciá-las nas subtilezas do racismo. É ensinar-lhes o melhor da nossa cultura, para não serem vistos com estranheza e para terem facilidade de se integrar.