Caro leitor, comecei esta crónica com um título inspirado no verdadeiro estado de sítio em que se encontra o imobiliário e arrendamento urbano em Portugal, após mais de 7 anos de governos PS em que se adiou a resolução do problema que é o mercado de arrendamento urbano caótico e com rendas muito acima do poder de compra dos portugueses comuns.

Antes de mais, o motivo que me leva a escrever esta crónica é a notícia do passado dia 1 de Fevereiro, no jornal ECO, em que a deputada do BE Mariana Mortágua decidiu dizer que “os proprietários devem ser obrigados a pôr as casas a arrendar”.

Vou informar a senhora deputada que, por culpa de ideologia, o mercado de arrendamento chegou ao estado em que estamos. Foram décadas de congelamento de rendas no Estado Novo, passando depois por aumentos pontuais em democracia, que sempre representaram perda de valor para o senhorio (sempre abaixo de inflação) e, terminando, agora, no retardar do processo da “Lei Cristas” (NRAU 8/2012), em que as rendas antigas estvam a ser atualizadas e o governo PS (com a Geringonça) decidiu adiar até agora, pois não arranjou uma solução de compromisso entre senhorios, Estado e inquilinos, que debelasse essa desigualdade e nivelasse o mercado, segundo os determinantes da Oferta e Procura.

Da última vez que alguém obrigou os senhorios e proprietários a fazer algo, fez com que os melhores amigos deles, durante anos, fossem as agências funerárias. Esta conclusão pode ser polémica, mas verídica, e passo a explicar: os proprietários/senhorios só conseguiam reaver as casas depois do inquilino morto, pois os contratos antigos tornaram-se “vitalícios”, por acção dos nossos governantes e dos sucessivos congelamentos.

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Houve uma fase em que isto ainda era pior, o inquilino falecia e a casa ainda continuava na família do mesmo, por transmissões sucessivas de contrato, sem atualização de renda. O proprietário pagava impostos sobre a renda, pagava imposto sobre o imóvel e não o poderia reaver, sem aplicar uma indemnização monetária à família do inquilino. Logo, era proprietário, mas pouco poder tinha sobre a sua propriedade.

Ou, como disse um advogado muito conhecido na área do Arrendamento Urbano, na minha presença: “Ter um inquilino é pior que estar casado. Quando você se casa, e se farta da relação, divorcia-se e vai à sua vida. Com o inquilino, é pior. Você tem de o aguentar até ao final dos dias e, ainda, sob pena de ele ficar cá depois de você morrer.”

Receber em 2010, de renda, 50€ mensais por um T2 em Lisboa ou no Porto, era uma realidade perfeitamente normal nos contratos antigos. O problema é que esses 50€ em 2010 dariam para um almoço de 3 a 4 pessoas num restaurante comum, mas em 1975, antes de congelamentos, eram um valor representativo.

Com esta desvalorização, perdeu o parque edificado, que se foi degradando; perdeu o senhorio, que deixou de poder manter o seu património de forma digna e, inclusive, muitos inquilinos puderam evoluir na vida, por conta deste financiamento indireto. Conheço casos de inquilinos que foram “financiados” com rendas destas, deram-se ao luxo de fazer subarrendamento(que era ilegal) e compraram andares em Cascais (Bairro do Rosário), na Praça do Chile (Lisboa), apartamentos T1 em Montechoro (Albufeira), financiaram cursos superiores dos filhos na Universidade Católica e fizeram férias no estrangeiro vários anos seguidos.

E o senhorio/proprietário? Para a narrativa da deputada Mortágua e do PCP, essa entidade é uma figura rica. Eu contradigo facilmente: é uma rica figura… enquanto viam alguns dos inquilinos a crescer, os proprietários eram esbulhados fiscalmente, recebiam misérias de rendas, faziam de Santa Casa de alguns casos, quando havia incumprimentos, não compravam andares em bons sítios, nem bons carros, iam de férias para um campismo ou casa alugada e o mais longe que iam nas férias era a Ayamonte ou a Badajoz pôr combustivel e comprar caramelos.

Fora aqueles (alguns milhares) que passavam anos na Justiça a tentar reaver o seu imóvel, com processos de despejo, depois de meses e anos sem receber rendas dos inquilinos.

O Barómetro da ALP, divulgado em 2022, mostra que 65,5% dos proprietários e senhorios têm mais de 55 anos e, também que 54% dos contratos são contratos antigos, ainda com a atualização da “Lei Cristas” congelada. Mais ainda, 52,6% dos senhorios aufere até 4 salários mínimos nacionais (até 2540 euros brutos) pelos seus imóveis.

Claro que estes valores e congelamentos rebentaram com as rendas novas: fez com que se procurasse novos equilíbrios, a novos valores que compensassem décadas de congelamento e de justiça pouco eficaz a resolver diferendos.

Vieram os Golden Visa, fundos imobiliários e capital estrangeiro que adquiriram as casas a muitos senhorios antigos e seus herdeiros, remodelaram o parque edificado, pagando licenças camarárias e, simultaneamente, promoveram uma nova centralidade de Lisboa e Porto, no Mundo.

Essa centralidade deu internacionalização, devolveu algum capital aos senhorios e, também, ao Estado, já que recebe 28% de imposto sobre as rendas. É uma situação muito cómoda para quem está no Ministério das Finanças, mas incómoda para o português que é afetado por altos impostos e salários baixos. Ver T2 e T3 a 2000€ por mês de renda passou a ser normal em muitos locais de Lisboa e Porto, para novos arrendamentos, o que é incomportável para o “comum português”.

Passou-se do “8 para o 80” no mercado de arrendamento, por culpa da inoperância dos Governos, da lentidão da execução da “Lei Cristas”, que foi condição imposta pela Troika, e dos sucessivos congelamentos ideológicos perpretados antes de 2012 e desde 2017, pelo PS.

Se querem resolver o processo com uma “obrigação”, tal como sugere Mariana Mortágua, obriguem os representantes dos proprietários/senhorios e os representantes dos inquilinos a estarem sentados à mesma mesa, mediados por governantes e especialistas na área do imobiliário, para fazer uma negociação real. Uma negociação com ideias dos 2 lados da barricada é a forma mais direta e fácil de debater ideias e concretizar propostas.

Concluir a atualização das rendas antigas, para os valores da fórmula matemática da “Lei Cristas”, é o primeiro passo para diminuir disparidades. Para isso, para os casos carenciados, concretizar o seguro de renda (previsto na lei) e o subsídio para o remansecente.

Pelo caminho, já que a realidade socioeconómica do país não vai acompanhar os aumentos das rendas, é novamente seguir a ideia da “obrigação”: envolver o Estado e entidades estatais, enquanto players de mercado e aumentar a oferta pública em edificado e andares para arrendar. Quanto maior a oferta, mais se regula a procura e os preços descem para valores mais equilibrados.

Portanto, em vez de apenas “obrigar proprietários”, como pretende Mariana Mortágua, é hora pôr de lado as ideologias e procurar finalmente uma solução tripartida de compromisso entre Estado, Senhorios/Proprietários e Inquilinos, para o problema do Imobiliário e do Arrendamento Urbano.