A inflação está aí e, aparentemente, tardará a desaparecer. Os seus efeitos já são sentidos no dia-a-dia da maioria dos portugueses e o futuro é, principalmente para os socialmente mais vulneráveis, preocupante.

Governo e oposição esgrimem argumentos sobre que medidas adotar, de que nível de magnitude e para que públicos-alvo. E, uma vez mais, não há o entendimento nem o compromisso entre uns e outros que se imporia numa situação com este potencial de gravidade.

O Governo desvendou o conjunto de medidas (o denominado “pacote do Costa”) que, em boa verdade, se revelou um embuste na sua generalidade, revelando uma insensibilidade social aterrorizadora, não poupando nem o seu eleitorado de predileção (os pensionistas). A estes, estará mesmo, alegadamente e salvo melhor expressão, a “roubá-los” no curto, médio e longo prazo (exceto aos que tenham a infelicidade de morrer ainda em 2022, que “lucraram” um bónus de 50% da sua reforma, independentemente do seu valor).

Não alongando as críticas a tecer ao dito “pacote”, uma vez que esse trabalho está, praticamente, esgotado e já não restarão, provavelmente, quaisquer dúvidas, nem para os mais distraídos, do embuste apresentado, vejamos como poderia (deveria!) a ajuda ser mais bem dirigida àqueles que, efetivamente, mais sofrem ou virão a sofrer e que assentaria em princípios socialmente sólidos.

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Sabe-se que a inflação está a sentir-se de forma distinta nos diferentes bens e serviços consumidos, sendo maior em alguns que são de consumo diário e quase obrigatório: habitação, gás, eletricidade, combustíveis e bens alimentares.

Também é conhecido que a percentagem do rendimento dos portugueses que é gasta na aquisição de determinados bens e serviços varia consoante o seu nível de rendimento, sendo que as famílias de menores rendimentos gastam, proporcionalmente, mais do seu rendimento em bens alimentares essenciais, habitação, gás, eletricidade e saúde, do que as famílias com maiores rendimentos.

Significa, portanto, que a inflação está a “atingir”, com maior brutalidade, as famílias de menores rendimentos, uma vez que está a fazer-se sentir, maioritariamente, nos bens e serviços que estas, proporcionalmente, consomem mais.

Assim sendo, e para proteger os mais vulneráveis, como se pretenderia numa sociedade solidária e coesa, as medidas mais adequadas de atenuação dos efeitos da inflação deveriam ser dirigidas a estes e através de ações especificas e temporárias, sobre o preço dos bens de consumo essenciais que mais os poderão afetar, nomeadamente em termos de alimentação, habitação, energia e saúde.

Facilmente se poderia aceitar que uma redução do IVA dos alimentos essenciais (carne, peixe, pão, cereais, fruta e legumes), tal como proposto pelo CDS (propôs uma redução temporária desse IVA para zero); uma redução do IVA do gás e da eletricidade para os 6%, para todos os consumidores e tipos de consumo; um cheque-renda e/ou uma definição de valor máximo de spread (no fundo, a taxa de lucro bancário num empréstimo) nos empréstimos para habitação;  e um aumento da comparticipação de Estado na compra dos medicamentos, seriam medidas exequíveis e desejáveis, que, sem terem subjacente o carater de “esmola”, nem o erro de perpetuar o período expansionista da economia (como seriam o aumento generalizado dos salários ou a manutenção de taxas de juro baixas), ajudariam todos (porque todos consomem estes bens) mas, principalmente, os mais vulneráveis.

A par disto, o acesso à educação, como melhor mecanismo conhecido de aspiração a uma vida melhor, deveria ser igualmente salvaguardado, com redução substancial do IVA de todo o material escolar e com isenção temporária de propinas.

A inflação dói. Mas dói (ou pode doer), mais a uns do que a outros.

Compete ao Governo tudo fazer para minorar o sofrimento dos mais fracos, principalmente neste momento de especial vulnerabilidade. E o que fez, ou disse que faria, até agora, é pouco, insuficiente, insensível e, maioritariamente, um logro.