Para quando o fim da desconfiança sobre as empresas e os empresários empreendedores? Quando seremos capazes de não estar sempre a dizer que os empresários são malandros e exploram os trabalhadores e o Estado? Temos uma visão marcadamente comunista e de esquerda radical sobre as empresas, normalizamos a visão de esquerda radical como se fosse aceitável, mas não é! As empresas são o motor do crescimento, em particular as que inovam.  Se não formos capazes de mudar esta mentalidade nunca cresceremos mais que os nossos competidores. Se não mudamos de atitude nunca deixaremos de ter um Estado que se relaciona com os contribuintes, tanto empresas como cidadãos, ao estilo minority report, criando uma carga burocrática absurda para tentar prevenir crime!

Portugal precisa desesperadamente de crescer. Sim, estamos a crescer acima da média europeia, mas também estamos a crescer muito abaixo dos nossos competidores. O nosso comparador não pode ser a Alemanha, têm de ser as economias da nossa dimensão. Actualmente somos o 4º país mais pobre da EU. A consequência para todos é que os salários dos Portugueses estão estagnados desde 1995 e os Portugueses estão a perder poder de compra face aos demais cidadãos Europeus.

Como saímos deste ciclo? Que instrumentos temos disponíveis para atrair investimento e promover inovação? Face à nossa realidade económica temos pouco mais que o capital que a Europa nos envia. Mas se recebemos este capital há décadas porque é que até agora nunca conseguimos aplicar adequadamente?

  1. Em Portugal as regras de utilização e verificação da aplicação do capital funcionam no modelo minority report. Imaginamos que quem recebe o capital vai cometer um crime e tentamos prevenir. Isto porque aparentemente há uma luta entre a CE (Comissão Europeia) e as instituições Portuguesas, como a AdC (Autoridade da Concorrência), sobre a carga burocrática e a aplicabilidade da utilização dos fundos. A AdC diz que a culpa é da CE e a CE diz que é a AdC que desconfia dos Portugueses. Isto tem permitido que ninguém resolva esta situação porque os pequenos poderes envolvidos têm uma força de bloqueio que parece ser inultrapassável.
  2. Em Portugal reinventamos a roda em vez de adoptarmos as melhores práticas dos nossos pares europeus.

Estas razões parecem de lana caprina, sem fundamento, mas têm um impacto dramático na utilização de capital e mais relevante ainda no impacto que esse capital tem na nossa economia. Como poderíamos fazer melhor? Fazer diferente sem inventar a roda. 2 exemplos claros onde podemos melhorar:

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  1. Fundos de capital de risco Bélgica versus Portugal: na Bélgica as entidades Belgas participam normalmente nos fundos de capital de risco, são mais um investidor como os demais, pedem apenas que o capital investido seja aplicado em empresas Belgas ou com operações na Bélgica. Portugal, obriga a criação de fundos só para Portugal, os investimentos requerem aprovação prévia, os fundos têm uma carga burocrática extraordinária que mostram que o Estado desconfia do próprio Estado (por exemplo acham que os conservadores registam aumentos de capital falsos).
  2. Projectos de inovação Holanda versus Portugal:
    • Estado segue o privado, se empresa quer investir em inovação, o Estado assume que o privado sabe o que está a fazer e comparticipa. Em Portugal avaliamos se a empresa está a inovar e se essa inovação tem mérito. Este exercício é impossível, se algo é inovador por definição o Estado não será capaz de o determinar. Com isto preferimos apostar em inovações incrementais que não aumentam significativamente a competitividade e mais uma vez mostramos que achamos que os empreendedores gostam de desperdiçar os recursos que têm;
    • Em Portugal é preciso enviar enviar às autoridades 5 papéis por cada custo, desde a factura ao extrato bancário, isto antes de o Estado pagar a contribuição. Na Holanda confia-se que o TOC e o ROC fizeram o seu trabalho e no limite há uma auditoria em casos particulares.

Se compararmos com os nossos congéneres, a grande mudança é confiar! É pararmos de ter uma visão desconfiada dos empreendedores e das suas empresas. É assumirmos que os administradores das empresas não gostam de desperdiçar recursos, que os auditores existem para algum motivo, que os órgãos sociais existem e funcionam. Esta confiança tem de se traduzir numa eliminação de burocracias que visam pura e simplesmente prevenir crime e que limitam a capacidade de utilização desses fundos. Mais grave têm vindo a limitar o impacto económico e a contribuir para a falta de crescimento crónica de Portugal.

David Braga Malta é especializado na área das Ciências da Vida, com formação de base em Engenharia Biológica pelo Instituto Superior Técnico, tendo passado pelo Imperial College of London durante o mestrado. Concluiu a formação avançada ao abrigo do programa MIT Portugal, tendo-se doutorado em 2012 após um período de investigação de quatro anos no laboratório da Prof.ª Sangeeta Bhatia no MIT. Fundou a startup Cell2B, com base nos resultados do seu trabalho de investigação, que visava o desenvolvimento de produtos de terapia avançada para o tratamento de doenças autoimunes. Atualmente é investidor, venture capital, especializado na área das Ciências da Vida no Fundo Vesalius Biocapital no Luxemburgo e fundador e CEO da empresa LiMM Therapeutics. Foi também consultor da Caixa Capital para a área das ciências da vida. Foi um dos primeiros Global Shapers a integrar o Global Shapers Lisbon Hub quando foi constituído em 2013. Liderou o grupo entre 2015 e 2016 e neste momento é alumni.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.