Nos próximos seis meses vamos ter uma decisão geracional pela frente: o que fazer com o pacote de resgate da UE? O que fazer aos mais de 50 mil milhões de euros que vamos ter para os próximos cinco a sete anos? Fazer mais do mesmo e esperar resultados diferentes, ou fazer algo de diferente? E se escolhermos diferente, o que fazer?

O Plano de Recuperação Económica Portugal 2020-2030 de Costa Silva é ambicioso, mas de tão abrangente que é, dificulta a sua implementação. Ao ser fortemente alavancado em investimento em obra pública é óptimo para suster a economia no curto prazo, particularmente se pensarmos que o turismo, uma das grandes alavancas da nossa economia, terá fortes reduções de actividade nos próximos dois a três anos. Mas, e a seguir? Voltaremos a ser um país que vive de dormidas de estrangeiros, passeios de tuk-tuk (muito característicos de Portugal!) e pastéis de nata? É isso que queremos? Baixos salários, para ter uma oferta de serviços barata feita por um povo acolhedor, que se queixa de ser pobre, mas que precisa de ser pobre para servir os ricos de outros países? Isto, sem sequer se aperceber que esses ricos que vêm gastar dinheiro a Portugal, nos países deles, são mera classe média…

Eu defendo uma aposta no risco, sim, eu defendo que uma parte muito significativa do envelope financeiro, cerca de 20 a 30% deve ser colocada no desenvolvimento produtos de elevado valor acrescentado, verdadeiramente inovadores, com base em tecnologia proprietária (isto é, patenteável), que incorporem ciência e tecnologia tal, que não tenham ameaças de competição por preço. Naturalmente com risco elevado, em que existe a probabilidade alta de não resultarem num produto transaccionável. Mas esse não é o risco de “os malandros do costume” ficarem com o dinheiro, mas o risco associado ao desenvolvimento tecnológico. Só esses produtos têm elevado valor acrescentado e com isso margem elevada, que pode ser capturada pela economia portuguesa. Só esses produtos permitem que as marcas sejam portuguesas e que as empresas capturem grande parte do lucro. Só esses produtos permitem transformar a nossa economia a médio, longo prazo, produtos que mostrem a ambição global que, tipicamente, nos tem faltado nos últimos cinco séculos. Só isso permite ter empresas que paguem melhores salários, empreguem trabalhadores altamente qualificados e que, no futuro, possam permitir que sejam as exportações, e não o consumo, o pilar fundamental do crescimento do produto interno bruto.

Mas o que quer isto dizer? Qual é a diferença entre estes produtos inovadores e os que fazemos agora?  Quando nós produzimos sapatos, camisas, ou carros para terceiros, estamos sempre a competir pelo preço e a operar num mercado em que muitas empresas pelo mundo podem fazer esses produtos. O que fica em Portugal é uma margem baixa, uma margem de produção e não de produto, uma margem que tem de ser pouco maior do que a das empresas chinesas, uma margem de pobreza!

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Mas quando nós desenvolvemos e produzimos novos medicamentos para tratar doenças oncológicas ou neurológicas, quando desenvolvemos métodos de produção de compostos de elevado valor acrescentado por fermentação (vejamos o caso da vanilina), quando desenvolvemos novos tipos de baterias de elevada capacidade de armazenamento, quando desenvolvemos produtos de software com base em algoritmos de machine learning, passamos a competir por produto, passamos a ter produtos únicos no mercado global, produtos em que as nossas empresas são as únicas (ou uma de duas ou três) que os têm. Neste caso, fornecemos a preços internacionais produtos de marcas nacionais, capturando a maioria da riqueza que estes criam.

Mas temos que estar preparados para que 90% desses investimentos falhem. E vão falhar! Não porque os empreendedores e empresários sejam malandros e ladrões, mas porque inovar, e particularmente inovar com base em ciência e tecnologia, tem risco elevado. Por vezes, vão falhar porque o conceito científico não era escalável para uma versão industrial ou, noutros casos, porque o que se via em modelos não funciona na realidade (típico da indústria farmacêutica, onde existem claras diferenças entre tratar ratinhos e tratar humanos).

Mas todos os casos vão contribuir para um tecido económico mais resiliente, seja pela formação de recursos humanos altamente qualificados, seja pela absorção de tecnologias que não permitiram produtos inovadores, mas que permitem processos de produção mais eficientes. E, por fim, aqueles dois ou três, que forem de facto um sucesso, mudam o perfil da nossa economia. Se tivermos em Portugal, uma Vestas, ou uma Genentech, ou uma Syngenta, ou uma Amazon, aumentamos o nosso PIB 5% de cada vez. Os 1700 milhões de euros que escolhemos colocar na TAP permitiam ter duas ou três destas empresas, permitiam crescer de forma sustentável, num modelo económico que permite quebrar o ciclo de pobreza dos dois últimos séculos. Mas não foi essa a nossa escolha…

Devemos fazer esta escolha, quanto mais não seja porque nunca executamos a totalidade dos pacotes financeiros da UE. Os tais 20% a 30% que eu peço para serem dedicados a fazer diferente, a inovar, podem ser feitos utilizando o capital da UE que, normalmente, desperdiçamos. Mesmo que discordem da aposta no risco, certamente que preferem que o capital entre na economia em vez de ser devolvido sem ser utilizado!

Não sei se esta é a última oportunidade de fazermos a escolha certa, ainda para mais com dinheiros europeus a fundo perdido, mas é, claramente, uma oportunidade, até porque pela primeira vez todos percebemos que viver de tuk-tuks e pastéis de nata não funciona. Mais ainda, o contexto de dívida pública e privada muito elevada e de falta de crescimento crónica necessitam que não a desaproveitemos. Temos que pensar a médio prazo e apostar num futuro que mude a realidade económica do país.

A escolha é nossa, não a fazemos desde o período das Descobertas, mas pode ser que desta vez estejamos fartos de ser loucos a insistir nos mesmos erros e queiramos fazer diferente!

David Braga Malta é especializado na área das Ciências da Vida, com formação de base em Engenharia Biológica pelo Instituto Superior Técnico, tendo passado pelo Imperial College of London durante o mestrado. Concluiu a formação avançada ao abrigo do programa MIT Portugal, tendo-se doutorado em 2012 após um período de investigação de quatro anos no laboratório da Prof.ª SangeetaBhatia no MIT. Fundou a startupCell2B, com base nos resultados do seu trabalho de investigação, que visava o desenvolvimento de produtos de terapia avançada para o tratamento de doenças autoimunes. Atualmente, é investidor, venture capital, especializado na área das Ciências da Vida no Fundo Vesalius Biocapital no Luxemburgo e Founding CEO da empresa Francesa LiMM Therapeutics. Foi também consultor da Caixa Capital para a área das Ciências da Vida. Foi um dos primeiros Global Shapers a integrar o Global Shapers Lisbon Hub quando foi constituído em 2013. Liderou o grupo entre 2015 e 2016  sendo agora alumnus.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.