Em Espanha, país com o qual partilhamos o mercado de eletricidade, costumam dizer que “se alguém te explicou como funciona o mercado elétrico e tu entendeste, então explicou-te mal”. As constantes mudanças nas leis, regras, exceções e as intervenções externas sistemáticas têm transformado aquilo que é complexo por natureza em ininteligível.
Em abril deste ano, Portugal e Espanha apresentaram à Comissão Europeia uma proposta para fixar um preço máximo da eletricidade no mercado ibérico, que acabou por ser aprovada. A intenção da iniciativa ibérica é meritória, baixar a fatura dos consumidores num período de escalada dos preços da energia, mas representa mais uma intervenção e mudança de regras a meio do jogo. A instabilidade regulatória e legislativa afeta a confiança dos agentes e, no longo prazo, tem o efeito contrário ao pretendido. Existem medidas alternativas mais eficientes para baixar o preço final da energia.
O mercado ibérico de eletricidade é marginalista. Existe um leilão diário no qual cada produtor oferece a quantidade de eletricidade a vender no dia seguinte a um dado preço. Centrais eólicas ou fotovoltaicas têm custos variáveis baixos. Podem vender a um preço mais baixo do que as centrais a gás ou carvão, com custos variáveis mais elevados. Após a licitação terminar as ofertas são ordenadas por ordem crescente de preço e quando a quantidade oferecida acumulada é suficiente para cobrir o consumo considera-se a última oferta e o respetivo preço, que se designa por preço marginal. Todos os vendedores, mesmo os que estavam dispostos a vender a um preço inferior, recebem esse preço marginal.
Um mercado marginalista gera incentivos para os produtores melhorarem a eficiência dos seus processos. Um produtor ineficiente, que oferece preços acima da média, fica fora do mercado. Ou evolui ou sai de cena. O mercado desenvolve-se no sentido de melhoria contínua, motivado pela evolução tecnológica, que premeia os mais eficientes com proveitos mais altos. Assim funcionam a maioria dos mercados elétricos.
Pode parecer absurdo pagar mais a quem estava disposto a vender por menos. Porque não mudar as regras, pagar a cada produtor apenas o preço a que está disposto a vender, e só pagar o preço marginal à última oferta? A ideia é tentadora e parece uma boa solução para baixar o preço da eletricidade. No entanto, já foi estudada e testada, e não funciona. Os produtores, sabendo que o que licitam é o que recebem, deixam de licitar com base nos custos variáveis, passam a tentar prever qual a tecnologia marginal que vai marcar o preço e oferecem um pouco abaixo deste valor. Este exercício de adivinhação introduz ineficiência na formação do preço e, em vez de termos preços mais baixos, acontece o contrário.
E se estabelecermos um limite no preço que recebem os produtores com custos variáveis mais baixos? Se o preço marginal resultante do normal funcionamento do mercado for superior a esse valor, os produtores mais eficientes recebem apenas o preço limite. Esta ideia parece funcionar melhor que a anterior, na medida em que estabelece um teto no preço e, por conseguinte, gera mesmo uma poupança no curto-prazo para os consumidores. No entanto, limitar artificialmente o preço da eletricidade prejudica os produtores mais eficientes. Na prática constitui um travão ao investimento em novas tecnologias, mais eficientes, e desincentiva o desenvolvimento de soluções inovadoras, como as baterias, que aproveitam a arbitragem de preços.
Medidas intervencionistas no mercado de eletricidade geram ineficiência e influenciam a perceção de risco político por parte dos investidores. No médio e longo prazo teremos um sistema elétrico obsoleto e menos eficiente, a ineficiência transforma-se em défices e mais impostos no futuro. Se queremos baixar o preço da eletricidade e cumprir a transição energética, sem que isso represente um custo incomportável para os mais vulneráveis, devíamos começar por intervir na fatia mais gorda da fatura de eletricidade, a das taxas e impostos. Em Portugal estes representam mais de 40% da fatura dos consumidores domésticos, o 3º valor mais alto no conjunto dos países da UE.