Após 18 anos no poder, Vladimir Putin promete concentrar-se nos problemas internos da Rússia. Será desta vez que o país vai dar o salto por ele prometido? E para onde? Quererá ficar na História como o Reformador ou como o Coveiro da Rússia?
Vladimir Putin conseguiu tudo o que queria: a sua reeleição com uma votação recorde. Claro que assistimos a cenas feias de batota e falsificação durante o escrutínio, a Comissão Eleitoral Central da Rússia não sabe quantos eleitores tem ao certo o país, errando em quase um milhão e meio, mas isso pouco lhe importa, tem mais um mandato para seis anos.
Durante a campanha eleitoral e no discurso de vitória, Putin prometeu concentrar-se nos problemas internos e “dez anos de êxitos surpreendentes”. No dia seguinte, 19 de Março, ele reafirmou: “Claro que a ordem de trabalhos interna será a fundamental: garantir os ritmos de crescimento da economia da Rússia, imprimir-lhe um carácter inovador. Trata-se de desenvolver áreas como a saúde, a educação, a produção industrial, como já afirmei, as infraestruturas, outros ramos importantíssimos para avançar em frente e pera elevar o nível de vida dos nossos cidadãos”.
“Há questões ligadas à defesa e à segurança. Não podemos passar sem isso. Mas, não obstante, o principal para nós será a ordem de trabalhos interna”, acrescentou.
Estas palavras trazem à memória um dos mais hábeis czares da dinastia Romanov, Alexandre II, que dirigiu o Império Russo entre 1856 e 1881. Tendo recebido o seu país mergulhado numa enorme crise social, política e militar, provocada nomeadamente pela derrota pesada da Rússia frente à França e Inglaterra na Guerra da Crimeia (1853-1856) e pelo isolamento internacional do país, o novo czar concentrou as suas forças na modernização da Rússia, tendo realizado reformas de vulto como a liquidação da servidão da gleba (1861), a reforma das Finanças, do Ensino Superior (1863) e Médio (1871), da Justiça (1864), do Poder Local (1870) e Militar (1874). Se não tivesse sido assassinado à bomba por militantes do grupo terrorista de extrema-esquerda “Vontade Popular” e se o seu filho, aterrorizado pela morte do pai, não enveredasse pela via da contra-reforma e da repressão política, talvez a Rússia tivesse conseguido evitar a experiência comunista que a massacrou entre 1917 e 1991 e provocou milhões de vítimas.
Alexandre II recebeu o cognome de “Libertador”.
Este czar poderia ser um bom exemplo para Vladimir Putin, mas é difícil acreditar que o Presidente russo vá frear as suas ambições no campo da política externa em prejuízo das reformas internas. Esta é, talvez, a sua última oportunidade. Caso não o faça, arrisca-se a ser o coveiro da Rússia, pois o país não tem potencial económico para aguentar uma nova corrida aos armamentos. Segundo dados oficiais, o crescimento económico em 2018 deverá situar-se entre 1 e 2%, o que é muito baixo se tivermos em conta o fosso existente entre a Rússia e a União Europeia, para já não falar da China ou dos Estados Unidos.
Neste campo, a União Europeia e os Estados Unidos terão também um papel muito importante. É certo que não se pode permitir a Vladimir Putin fazer aquilo que quer e melhor lhe apetece na cena internacional, mas também não é nada aconselhável encurralar ou isolar o Kremlin. Ambas as partes necessitam de dar passos para travar a escalada de confronto actual. Caso contrário, aumenta o risco de confronto militar entre elas em conflitos como aqueles que ocorrem na Síria ou na Ucrânia.
Será igualmente muito importante ver que tipo de alterações ele irá fazer no Governo russo após a sua tomada de posse em Abril: se irá optar por ministros reformadores, ou se continuará a linha de conservação de um regime centralizado, repressivo e estagnado. O actual dirigente russo sente calafrios quando houve falar em descentralização ou em reformas políticas com vista a permitir o aparecimento de uma oposição verdadeira e consistente. Além disso, olha com atenção para a “via chinesa”: reformas económicas e financeiras acompanhadas do reforço do poder central e da repressão política.
A sinceridade das promessas de Putin ao seu povo passa também pelo combate à corrupção e pela redução do poder dos antigos ou actuais dirigentes dos serviços secretos russos. A Rússia continua a ser claramente uma oligarquia, embora alguns dos oligarcas se queiram fazer passar por defensores da “propriedade do povo”, como acontece no caso dos directores de gigantes económicos como a Gazprom e Rosneft. O país não pode ser uma coutada dos amigos do Presidente russo.
Neste sentido, é de primordial importância que Vladimir Putin não impeça o aparecimento de políticos mais novos e competentes que o possam vir a substituir, pois até mesmo os czares são mortais. Até agora, a sua política neste campo é uma política de terra queimada, que poderá criar graves problemas depois da sua saída do Kremlin. A sucessão deve transformar-se num processo democrático normal e não decorrer entre convulsões e conflitos sociais e políticos.
Como afirmou várias vezes Vladimir Putin, garantida que está a defesa e a segurança do país, nomeadamente com “armas invisíveis” e “nunca vistas”, seria uma boa altura para melhorar as condições e a qualidade de vida dos seus concidadãos, para fazer com que a Rússia não seja temida, mas respeitada. Será possível realizar em 6 anos do novo mandato o que não foi feito nos 18 anos anteriores?