A Segunda Secção Penal do Supremo Tribunal de Justiça de Espanha decidiu iniciar um inquérito penal contra o Procurador-Geral do Estado, Álvaro García Ortiz, por suspeita de ter praticado o crime de violação de segredo, uma espécie híbrida entre o crime de violação de segredo de justiça do artigo 86.º do nosso Código Penal e o crime de violação de segredo do artigo 51.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, Lei da Proteção de Dados Pessoais.

O legislador espanhol tipifica, num único crime, aquilo que fizemos em dois, ou seja, proteger o segredo, tanto do processo judicial, como o segredo que deriva de uma obrigação de sigilo profissional, nos termos da lei, sem justa causa e sem o devido consentimento, revelar ou divulgar no todo ou em parte dados pessoais.

O caso envolve a divulgação de informações confidenciais relacionadas com um processo de fraude fiscal contra Alberto González Amador, empresário e companheiro de Isabel Díaz Ayuso, presidente da Comunidade de Madrid. A investigação foi motivada por uma queixa de González Amador, na qual acusa García Ortiz de divulgar dados pessoais inseridos em e-mails trocados entre a Procuradora de Madrid, Pilar Rodríguez, e o advogado de González Amador. Reza a dita queixa que este havia proposto um acordo de pagamento do imposto em falta com a confissão do delito cometido, a fim de evitar o julgamento e uma possível condenação.

Com efeito, na noite de 13 de março, esses e-mails foram reencaminhados para García Ortiz, com o fim de ser elaborada uma nota de imprensa, tendo sido nessa mesma noite também redigido um e-mail com conteúdo confidencial sobre a supramencionada proposta de acordo a um órgão de comunicação social, o qual permitiu que fosse antecipadamente divulgada em vários jornais.

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O crime de revelação de segredos em Espanha está tipificado no artigo 417.º do respetivo Código Penal. Este crime aplica-se a autoridades judiciais ou a funcionários públicos que, no exercício de suas funções, divulguem informações sigilosas de que tomaram conhecimento, devido aos cargos que desempenham e que não devem ser reveladas, no caso vertente a proposta de acordo de González Amador ao Ministério Público e à Autoridade Tributária de Madrid.

Os agentes do crime serão, por conseguinte, os dois procuradores, García Ortiz e Pilar Rodríguez, que acederam a informações sigilosas obtidas no exercício dos seus cargos e as revelaram a terceiros, isto é, a jornalistas, possibilitando desse modo a sua divulgação pública e violando as suas obrigações de confidencialidade.

Os castigos previstos são pena de multa de doze a dezoito meses, acrescida de pena acessória de inabilitação especial para o exercício de cargo público por um a três anos. Se a revelação causar dano grave a terceiros ou ao interesse público, as penas poderão aumentar para prisão de um a três anos e inabilitação de três a cinco anos.

Quando a revelação envolve segredos de particulares (não necessariamente relacionados com cargos estatais), as penas podem ser de dois a quatro anos de prisão, multa e suspensão de emprego no funcionalismo público.

Por terras portuguesas nunca tivemos procuradores investigados nem tão-pouco acusados. Apenas jornalistas, o mesmo é dizer quem revela e nunca quem transmite os dados confidenciais. E os habituais agentes de passarem informação são os suspeitos do costume: os advogados.

O segredo de justiça constitui uma figura jurídica destinada a garantir, tanto o sucesso de uma investigação e a proteção da obtenção de prova, como a intervenção das outras partes processuais, sejam essas partes advogados, testemunhas ou peritos. Toda a documentação – e-mails, fotografias, descrição de escutas e de buscas, relatórios e requerimentos – é reservada e tem apenas como destinatário o tribunal e os agentes de administração da justiça diretamente envolvidos.

As informações arroladas não podem ser divulgadas a pessoas externas ao processo, incluindo jornalistas, ou até mesmo as partes envolvidas em certas ocasiões. O objetivo é proteger a integridade das informações confidenciais que podem impactar tanto a justiça como os direitos de indivíduos e a sociedade em geral.

O que ocorre em Espanha, em relação à inconfidencialidade, afigura-se um escândalo, porque se trata de crime, mas os esforços para que se concretizem as investigações sobre esse mesmo crime representam quase sempre uma vergonha para a justiça. Como será penoso o mais alto representante do Ministério Público ter optado por exercer o seu cargo condicionado pelo inquérito e pela disputa política daí resultante!

Nas piores decisões, no agarrar a cadeira do poder, estamos muito próximos dos nossos irmãos ibéricos.