Rodeado pelas imagens de Jefferson, Washington, Lincoln e Roosevelt, atrás da Resolute Desk, enquanto estava sentado na Sala Oval, Joe Biden sentenciou, numa mensagem aos EUA, aquilo que, de melhor, a política significa: “reverencio muito este cargo, mas amo mais o meu país. Foi a honra da minha vida servir como vosso presidente. Mas a defesa da democracia (…) é mais importante do que qualquer título”.

Podemos ter opiniões diferentes sobre o mandato de Biden, considerá-lo, ou não, um bom candidato ou um bom presidente, até concordar, ou não, com a sua perspetiva de que a democracia está em perigo nos Estados Unidos, mas é difícil negar que, como ele tão bem disse, “nada pode impedir a salvação da democracia”. E nesse nada, o presidente dos Estados Unidos quis incluir, também, a sua ambição pessoal. Só assim é que a vida faz sentido, porque, por mais contra intuitivo que pareça, dignificar a grandeza da história da América foi, neste caso, desistir.

Num momento em que, aumentando o olhar desconfiado e sobranceiro face a imigrantes oriundos de países não democráticos e de tendência totalitária, teocrática e autoritária, muitos parecem querer importar o mesmo modelo político para os “países ocidentais”, Joe Biden recusou-se a criar uma dinastia, e sabemos o quanto isso é significativo nos Estados Unidos.

Todos os políticos prometem servir o seu país, uma causa maior, um desígnio, mas nunca chegam a dizer “is not about me”. Todos afirmam que querem dialogar com as novas gerações, governar para o futuro,  mas são raros os que assumem que “a melhor maneira de seguir em frente é passar a tocha para uma nova geração”. Muitos proclamam que, num momento de polarização do discurso e das atitudes, temos que dar um passo atrás – o próprio Joe Biden disse-o muitas vezes – mas esse passo atrás teima a não sair do papel, quando somos nós que estamos em risco.

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Ao longo dos anos, muito se tem discutido sobre o catolicismo de Biden. Se o presidente dos Estados Unidos é, ou não, verdadeiramente católico, muito por causa da sua posição favorável ao aborto. Este não é o momento indicado para essa discussão, mas há algo que parece claro: Joe Biden não diria aquilo que disse esta quarta-feira se não houvesse Cristianismo.

A ideia de que o cargo é diferente do seu titular, que a vida pública é maior do que um só indivíduo, que a renúncia e a fragilidade são faces da glória, são dimensões fundamentais da vida secular e democrática, mas só existem, como hoje as entendemos, porque, há mais de dois mil anos, um homem de origem judaica e de seu nome Jesus, inverteu o que entendemos por poder. Não por acaso, quando falou de verdades autoevidentes sem as quais o tecido social não se mantém, Joe Biden explicou que todos somos “criados iguais, dotados pelo nosso criador de certos direitos inalienáveis: vida, liberdade e busca pela felicidade”.

Um dos motivos da crise do Cristianismo é ele ser incapaz de incidir sobre a carne e sobre o dia-a-dia. Mas, quando o presidente dos Estados Unidos declara que na base da democracia existe “uma ideia mais forte do que qualquer exército, maior do que qualquer oceano, mais poderosa do que qualquer ditador ou tirano”, podíamos acrescentar que isso é um modo de ver a Ressurreição acontecer. E enquanto isso acontecer, não haverá crepúsculo demasiado denso para a Humanidade, nem nenhuma crise apagará o Evangelho.