Passada que está a JMJ, ouvi D. Américo Aguiar afiançar que as contas – relativas à Igreja – serão apresentadas a curto prazo, com total transparência, porque é assim que deve ser. Tenho a mesma opinião: É assim que deve ser. Do lado da CML, o orçamento foi cumprido. É um facto. E contra factos, já se sabe, não há opiniões.
No entanto, a accountability de que desejo falar não é – só – a dos números. O termo é muito mais abrangente do que as contas do livro razão. Tenho essa opinião.
Quero, pois, falar dos que andaram por aí a comentar ao acaso, sem lugar a contraditório. Sem fact-check.
Durante estes tempos – antes e pós JMJ – pudemos descortinar vários tipos de comentários: especulativos, hipócritas e disparatados.
Comecemos pelos comentadores. Na sua maioria especularam e disparataram. A opinião é livre (e o disparate também). No entanto e não sei se por ignorância, ou pura má-fé, misturam-se opiniões com afirmações, projeções e até conclusões, sem qualquer base de sustentação. Nos EUA – pátria do bom e livre jornalismo – a liberdade é sempre acompanhada do facto provado (e comprovado), do suporte legal, do cumprimento do código deontológico, etc. Em Portugal, a coberto da liberdade de opinião, dizem-se barbaridades, sem receio de nada.
No Eixo do Mal, Clara Ferreira Alves afirmou (no estilo que a tem caracterizado nos últimos tempos: apologético, apocalíptico) que os lisboetas estavam a fugir da cidade. Só se foram os amigos da própria que lhe disseram num jantar e a comentadora tratou de alargar o espectro. Uma afirmação destas não é opinião, é pura especulação. No mesmo programa, Daniel Oliveira afirmou que iria existir uma queda no número de turistas e, consequentemente, da receita. Com que base é isto afirmado? Especulação em vez de opinião.
Referi estes nomes, mas o que não faltaram foram exemplos – sempre com destaque jornalístico na imprensa – de “notícias” sem qualquer sustentação, ditas sem pejo por pessoas que nem sequer se davam ao trabalho de analisar o que se passou em Jornadas anteriores. As “opiniões” e as “notícias” continuaram a ser dadas em torrentes: um dia eram os transportes que iam paralisar, no outro a limpeza que não ia acontecer, os terroristas que iam entrar, as mortes por insolação, os afogamentos no Tejo. Um verdadeiro Armageddon. Mente dada a teorias de conspiração até podia pensar em orquestração. Não é o meu caso.
Também houve – felizmente – quem desse a sua opinião, sem especulação. Conto aqueles que, desde o princípio, foram – legitimamente – contra a organização da JMJ. Esse era o ponto que merecia ser discutido, e não o foi.
Igualmente opinião foi a dada por Francisco Mendes da Silva, que disse que os apelos de Francisco à paz e ao amor eram vacuidades, porque apenas palavras. Ora aqui está uma verdadeira opinião. Disparatada, é certo, mas opinião.
Mas o cúmulo da lata, ou seja, da hipocrisia, veio do primeiro-ministro. A sua afirmação – enfiando tudo no mesmo saco – de que a EXPO 98, o EURO 2004 e agora a JMJ eram da mesma farinha é o pináculo da referida e de quem ainda não fez o mea culpa de ter trabalhado – e admirado – a personagem que dá pelo nome de Sócrates.
Sr. primeiro-ministro: a EXPO foi e continuou um sucesso porque os socialistas não estiveram lá para estragar. É um facto. Já o EURO, se o evento foi um sucesso, a sua história tornou-se um case study de escorregadelas orçamentais, de casos e casinhos e de termos ficado com estádios vazios espalhados pelo país. É um facto. Imaginem-se a ir a um jantar onde corre tudo bem. A comida é fantástica. Depois, quando vem a fatura e concluímos que o preço é exorbitante, sentimo-nos enganados! Pedimos o livro de reclamações, chamamos a ASAE, mas nada nos livra do pagamento. Perde a graça, não é?
Atentemos em alguns factos.
- Quando este executivo tomou posse, nada, mesmo nada, estava feito, ou sequer em vias de ser realizado – no que respeita à JMJ. Se retirarmos os responsáveis da CML, não dei conta de os comentadores e jornalistas terem dado ênfase a este facto.
- Com a falta de tempo para a concretização de um empreendimento desta magnitude, o mecanismo do ajuste direto teve de ser usado mais vezes do que teria sido se o planeamento tivesse existido e sido realizado por quem esteve no poder da CML, durante anos após o anúncio de que a Jornada seria em Lisboa. E não tragam a pandemia à conversa, sff. Esse tempo pandémico teria sido ideal para planear, programar, pensar, idealizar.
- A JMJ foi um sucesso, a todos os níveis. Já muito se escreveu – inclusive por aqueles que especularam anunciando a desgraça – bem melhor do que eu possa fazer.
- Carlos Moedas, Anacoreta Correia, David Azevedo Lopes e D. Américo Aguiar são os nomes a reter.
Mas quais seriam as possíveis especulações, aos factos acima aduzidos, que não foram feitas pelos comentadores? Adianto:
- Se Medina fosse Presidente da CML, a JMJ tinha corrido razoavelmente, no que ao evento em concreto diz respeito (as celebrações, os palcos). A diferença é que tinha custado o dobro e estaríamos agora a começar a descobrir os casos e casinhos, o nepotismo, as contratações secretas, o amiguismo, o secretismo, etc., etc. Ou seja, estávamos agora a olhar – estupefactos – para a fatura.
- O Governo teria pago o necessário, evitando o escrutínio – e a despesa – da CML; os media não teriam andado atrás do custo dos palcos e ninguém tinha chateado ninguém, pela retirada – infelizmente – provisória do falo do Cutileiro. Sem qualquer especulação: a nossa imprensa e muitos comentadores gostam bastante de acossar algumas obras de regime (mas só algumas): o CCB ia tapar os Jerónimos, a Expo ia ser um subúrbio abandonado, o túnel do Marquês ia provocar mortos dia sim, dia sim. Nada disso se concretizou, mas os comentadores lá continuaram, incólumes.
- Tínhamos tido o almoço de agradecimento, dado pelo primeiro-ministro,9 com a CML na mesa, em lugar de destaque.
Adicionemos mais factos:
- Quem trouxe a JMJ para Portugal foi um Governo socialista, um Presidente de câmara socialista e um Presidente da República católico e do centro-direita.
- Na altura ninguém contestou, ninguém trouxe a Concordata à discussão, ninguém se lembrou da Santa Inquisição.
Ora, e agora especulo eu:
- Se tivesse sido o Governo de Passos Coelho a patrocinar a candidatura à JMJ, sob sugestão do edil Moedas e do seu vice Anacoreta Correia com o beneplácito de um PR católico, tinha caído o Carmo e a Trindade! Meu Deus! Ao contrário de Jesus nos Irmãos Karamazov, tinha sido o Torquemada que tinha retornado na pele de Passos! Aposto que teria lido que tínhamos voltado ao Fátima, Fado e Futebol!
Mais factos:
- Com o PS na câmara, nomeou-se José Sá Fernandes (JSF) para um cargo que ninguém percebeu bem para o que servia.
- JSF foi obrigado a vir a terreiro, justificando a prebenda oferecida por Medina, para falar sobre o que não sabia, no palco que a imprensa lhe deu.
- Como se sabe – embora sem grande destaque dos media – JSF vai ficar até 2024 com ordenado, escritório, secretária, carro e motorista. Segundo consta para fechar as contas. Não tenho dúvidas que, para fechar contas, é absolutamente necessário um carro e chauffeur.
É claro que também se podia especular – e bastante – relativamente à nomeação de JSF. Não o vou fazer. Não vale a pena.
- Uns maduros – a mando de alguém – avançaram com uma petição para impedir que a ponte sobre o Rio Trancão fosse baptizada D. Manuel Clemente.
No que respeita ao nome da ponte, se, por um lado, era interessante conhecer os mandantes da petição e os motores que lhe deram gás, saliento apenas o seguinte: Hugo Chávez, Otelo Saraiva de Carvalho, Vasco Gonçalves, Vladimir Ilich Lenine, são nomes dados a ruas em cidades portuguesas. Fez bem D. Manuel Clemente em não aceitar.
O que aqui tentei – espero que com sucesso – é provar que a especulação pode ser sempre feita sobre qualquer facto, ou até sobre a ausência dos mesmos. Ter opinião não é um livre-trânsito para se especular. Ter tempo de antena num OCS é uma responsabilidade. A opinião tem de estar sustentada em factos, em estudo. Dá trabalho. Especular é a saída do “calão”.
Concluindo: sabe o leitor o que não é especulação? Respondo: lá para setembro, voltarão os mesmos comentadores, nos mesmos programas, a debitar novos disparates, a cometerem as mesmas hipocrisias, a especularem tendenciosamente e sem terem a hombridade de corrigirem o tiro. Que cada um tire a sua conclusão e crie a sua opinião.