Quem nunca disse algo sem pensar, atire a primeira pedra. Mas há três coisas na vida que nunca voltam atrás. São elas a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida. José Carlos Malato lançou recentemente uma flecha contra a classe Médico-Veterinária, pronunciando palavras como “Ter um animal de estimação é para ricos”, “Tenho visto muita gente fazer grandes sacrifícios pessoais para o conseguir. É imoral.” ou mesmo, e respirem fundo antes de ler, “…se por causa dos veterinários que, sob a alçada de patrões internacionais que têm o monopólio dos hospitais, são uns ladrões sem coração nem vergonha. Tudo pelos animais, dizem. Hipócritas”.

Escusado será dizer que perdeu uma ótima oportunidade para estar calado, porque palavra é prata, mas silêncio é ouro. Neste caso aquelas palavras só podem fazer jus ao apelido, que pode significar <<adoentado>>. Imagino que durante os seus tempos de gerente da gelataria no Centro Comercial das Amoreiras oferecesse os gelados a quem se passeasse por ali, em jeito de ternura. Com sorte conseguia pagar a renda do espaço com gelado de Amoras. Há ainda, sempre que possível, tentar corrigir imprecisões no meio de todo a trapalhada ofensiva, injuriosa e mentirosa que foi esta declaração. Não há patrões internacionais com monopólio dos hospitais veterinários em Portugal.

Convém, assim para início de conversa, referir que o apresentador é tutor de dois cães de raça, leia-se raça, Boxer. Esta raça é vendida em Portugal, a um preço médio superior a 600 euros. Vamos facilitar as contas, dois cachorros boxers comprados equivalem a um ordenado mensal de um médico-veterinário em Portugal. Ordenado bruto, reforce-se. O médico-veterinário estudou 6 anos para ter o seu título profissional, e estudará toda a vida para o manter. O apresentador aufere mais de 6 vezes este valor, da televisão pública. Um ativista dos direitos humanos, como destaca ser no seu Instagram, auferir 10 vezes o ordenado mínimo em Portugal, onde 9.5% da população empregada é considerada pobre, é hipocrisia. Com este ordenado chorudo, rompa o monopólio que diz existir em Portugal, contrate médicos-veterinários e ofereça os seus serviços, respeitando naturalmente o dumping.

Na primeira composição que escrevi na escola e que guardo comigo, tinha 6 ou 7 anos, já escrevia que queria ser médico-veterinário, hoje sou e voltaria a ser. Tenho conhecido pessoas incríveis na nossa profissão, que fazem muito mais do que aquilo a que estão profissional, ética e deontologicamente obrigados. Acreditem vivamente nisto que vos vou dizer, é só mesmo por amor e dom que alguém é médico-veterinário em Portugal. Convém sempre relembrar que a classe Médico Veterinária tem uma taxa de suicídio superior a qualquer outra e 3,5 vezes superior à população em geral. Isto resulta naturalmente da pressão a que estão sujeitos na sua vida profissional e das muito fracas condições remuneratórias. Imaginar um elevador social na profissão médico-veterinária em geral é imaginar uma rampa com inclinação de 45%, vibratória e regada com óleo.

Não há preço para todos os dias poder ver o olhar sincero de um cão, vê-lo virar de barriga para cima a pedir festas, o ronronar de um gato ou até mesmo o assanhar que desafia a nossa irreverência, sentir o veludo do pelo de um coelho ou ver a rede de vasos das suas orelhas a contraluz. Mas, meus amigos, não é com amor, obrigados, nem com palmadinhas nas costas, que vamos ao Pingo Doce. Os médicos-veterinários também pagam em euros. No dia em que puderem pagar com as mordidas e arranhadelas que transportam na pele, acreditem, não se importarão de trocá-las pela moeda.

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