A via judicial é o recurso limite à disposição dos cidadãos na protecção dos seus direitos fundamentais, mesmo para os mais difusos. Nestes enquadram-se os de natureza ambiental, relativamente aos quais a fruição se verifica indirectamente uma vez que apenas são aproveitados de forma presumida pelos cidadãos.
Os casos são múltiplos: a acção aceite pelo Tribunal de Justiça Europeu, promovida por famílias de diversos países, que consideraram não estar a ser feito o necessário para combater as alterações climáticas, a decisão de um tribunal britânico que considerou ilegal o projecto de construção de uma terceira pista no Aeroporto de Heathrow em virtude de não estarem a ser considerados os compromissos assumidos através do Acordo de Paris ou, mais recentemente, a decisão do Tribunal Constitucional alemão que instigou o Governo a estabelecer metas mais precisas de redução de emissões por considerar que a Lei de Protecção Climática não assegurava o atingimento das metas de Paris pós 2030, tendo o Governo alemão logo reagido e procedido às alterações impostas pelo tribunal de molde a densificar e concretizar as metas de redução de emissões.
Nesta linha, o Projecto de Lei de Bases do Clima apresentado pelo PSD teve como uma das suas principais prerrogativas a possibilidade de controlo jurisdicional das suas normas, concorrendo para a efectividade da sua aplicação pelos tribunais, sempre que tal se mostre adequado.
Não sendo a forma mais indicada, até pelo que representa de “judicialização” da política ambiental, mas face à ausência de acção e transparência políticas, a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos relacionados com os efeitos das alterações climáticas poderá ter de passar pelos tribunais em Portugal.
O mau ordenamento florestal foi apontado como uma das razões, a par da descoordenação e má gestão dos meios de combate no terreno, para a gravidade dos incêndios de 2017. Perante a contingência de determinadas zonas rurais e de mancha florestal do país não estarem suficientemente preparadas do ponto de vista estrutural para fazer face aos incêndios, as população podem, naturalmente, recorrer aos tribunais para compelir o poder político a assegurar as medidas de ordenamento do território que impeçam o deflagrar descontrolado dos incêndios.
Tal como o poderão fazer relativamente à utilização massiva de plástico nas estufas e dos solos nas plantações intensivas do Alentejo que levarão, no futuro próximo, ao empobrecimento orgânico irremediável das terras de cultivo e ao esgotamento irrecuperável dos recursos hídricos, contribuindo para a desertificação dos solos e perda de biodiversidade.
Ou a utilização de extensas áreas de terras de cultivo para a instalação de parques solares sem estarem convenientemente aferidos e suficientemente clarificados os impactos para as populações e para a flora e fauna autóctones.
Ou o não acautelamento do enquadramento jurídico e fiscal da operação de venda das barragens no Douro pela EDP com salvaguarda das contrapartidas às populações locais.
Ou ainda no incumprimento das metas de produção e de reciclagem e reutilização de resíduos urbanos, sem que o Governo pareça ter uma estratégia coerente e eficaz à luz do desígnio de promoção da economia circular.
Quando é necessário chegar ao ponto de aprovar no Parlamento uma recomendação ao Governo como se verificou com a Resolução da AR n.º 138, publicada no passado dia 12 de Maio, para impelir o Ministro do Ambiente e Acção Climática no cumprimento do Regimento da Assembleia e da Constituição para responder às perguntas dos deputados dos vários grupos parlamentares, cita-se, “face ao sistemático incumprimento do dever de resposta”, está tudo dito sobre transparência, escrutínio e contributo que os responsáveis políticos emprestam à qualidade das instituições.
Se o ministro do Ambiente e Acção Climática não responde politicamente, a via judicial apresenta-se como o último reduto de defesa dos direitos de todos os que se deparam com a inoperância e falta de transparência do Governo em matéria ambiental e de ordenamento do território.
Mesmo que o preço a pagar da “judicialização” da política ambiental seja alto — com todas as nefastas consequências de empobrecimento da democracia e quebra de confiança no poder político que isso encarreta — apresenta-se mais como uma inevitabilidade do que como uma verdadeira opção.
É mais uma prova do frágil trilho que hoje a democracia percorre no nosso país. E com responsabilidade política de quem nos governa.