Há momentos na vida de um país, tal como na nossa, em que tudo é doce, o mundo é cor de rosa e tudo corre bem, mas há outros em que temos o caminho das pedras pela frente e não há muito que se possa fazer para melhorar a situação… Ou haverá?

A pergunta que tem assolado muitos nos últimos tempos é: como pode Portugal recuperar da crise económica provocada pela Covid-19?

Como sempre, a resposta não é uma, mas o somatório de pequenas e grandes respostas.

Vamos a factos para podermos compreender as possíveis soluções que as migrações têm para oferecer. De forma discreta, foi recentemente publicado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) o relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo com os dados estatísticos referentes a 2019. A discrição foi tanta, que o relatório passou quase despercebido à maioria dos orgãos de comunicação social. Um lapso, que, certamente, nada terá a haver com o facto de a informação que lá consta poder desmistificar o “bicho papão” em que a esquerda mais radical tem tentado transformar o programa Visto Gold.

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Durante o ano de 2019 foram concedidos 1450 primeiros títulos de residência a investidores e 2390 a familiares. O valor investido em Portugal, durante o ano de 2019 ,por via do Visto Gold foi de 742455053 de euros.

Desde que o programa foi criado, em 2012, o SEF aprovou 8466 autorizações de residência, quase 5 mil milhões de euros de investimento, dos quais 88% se traduziu em investimento imobiliário (€ 450947023,07). Estes números são relevantes e foram (são) fundamentais para a dinamização da nossa economia mas, como facilmente se percebe, não podem ser o bode expiatório dos problemas que as cidades de Lisboa e do Porto enfrentam. Os números mostram-no de uma forma clara.

Perceber os números não chega para podermos falar com propriedade sobre o tema Vistos Gold. Importa começar pelo princípio, compreender o que são, como funcionam e que diferentes oportunidades de investimento existem. Parece que a diabolização do programa dos Vistos Gold é o resultado de uma falta de trabalho, estudo e aprofundamento de conhecimento por parte de quem os critica.

Primeiro ponto: o Visto Gold é o nome de um produto que, na realidade, não é mais do que uma autorização de residência por via do exercício de uma atividade de investimento. Nota muito importante para uma discussão honesta: o Visto Gold português, ao contrário do que se passa noutros países como a Bulgária, Malta ou Chipre, não concede automaticamente a cidadania portuguesa a quem o requer. Portugal não “vende” cidadania.

O regime especial de Autorização de Residência para Atividade de Investimento, habitualmente designado por “ARI”, permite a obtenção de uma autorização de residência temporária, desde que se verifique um conjunto de requisitos definidos na Lei de Imigração e nos respectivos instrumentos de regulamentação, sendo o mais conhecido o investimento imobiliário de 500 mil euros ou de 350 mil euros.

À semelhança do filme “La Dolce Vita”, onde o jornalista Marcello Rubini  percorre, durante 7 dias, a cidade de Roma à procura de amor e felicidade, também o Golden Visa em Portugal exige um mínimo de permanência de 7 dias por ano em território nacional.

Existem, neste momento, 20 países europeus que promovem programas designados Visto Gold. São eles: Bulgária, República Checa, Estónia, Irlanda, Grécia, Espanha, França, Croácia, Itália, Chipre, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Polónia, Portugal, Roménia, Eslováquia e Reino Unido. É importante fazer um acompanhamento destes países porque, falando de uma maneira clara, são eles a nossa concorrência directa na captação de investidores.

Portugal, como bom aluno que costuma ser, foi considerado pela União Europeia como um dos países que mais respeita as regras referentes ao branqueamento de capitais, evasão fiscal e controlo de segurança nas fronteiras. O que nos posiciona na grelha da frente perante os investidores que, verdadeiramente, interessam ao nosso país.

É curioso apercebermo-nos que, apesar da esquerda portuguesa se esforçar por tornar este tema num assunto tóxico, outros países olham para os Programas de Investimento como uma tábua de salvação. Na competição por voltar “à tona” ganhará quem apresentar a melhor proposta.

Itália percebeu a importância deste tipo de programas e começou primeiro a corrida “Pós-Covid” pelo investimento, refinando a lei em vez de ameaçar matar aquilo que foi e pode continuar a ser uma solução para a atracção de investimento estrangeiro.

O programa italiano “La Dolce Visa, your passport for La Dolce Vita” reduziu para metade o valor mínimo de investimento (250 mil euros), permitindo ao investidor estrangeiro iniciar um projecto de “start-up.”

Também na vizinha Espanha, a Associação de Empreiteiros e Promotores Imobiliários solicitou ao governo espanhol, que durante os próximos 3 a 4 anos, de forma a combater a crise, o valor mínimo de investimento de 500 mil euros  seja reduzido para metade (250 mil euros). A razão é simples: o número de pedidos decresceu de 180 para 65 só nos primeiro cinco meses de 2020 devido às restrições à mobilidade impostas pela Covid-19.

Por cá, indo ao arrepio do que os países concorrentes estão a fazer, o Orçamento de Estado para 2020 aprovou uma autorização legislativa que permite ao Governo rever o regime das autorizações de residência para o investimento e a alterar o seu âmbito de aplicação. A medida, aquando da aprovação, criou uma instabilidade imensa junto do sector imobiliário, tanto em Portugal como no estrangeiro e, sinceramente, espero que o fim da opção de investimento imobiliário em Lisboa e Porto não se venha a concretizar.

Recentemente, a nossa Ministra da Cultura anunciou que o Governo quer aproveitar a presidência da União Europeia para afirmar o património cultural português. Talvez seja um bom momento para acordar e levantar a nossa cultura das cinzas através da atracção de investimento estrangeiro.

Relembro que, para além do investimento imobiliário, o programa ARI prevê que sejam apresentados investimentos no sector da Cultura que, após avaliação por parte da respectiva área governativa, fossem aprovados e enquadrados como um investimento elegível para obtenção de uma autorização de residência.

Infelizmente, de acordo com o relatório do SEF, esta opção de investimento voltou a não ser activada em 2019 por nenhum investidor. Isto significa que, em 8 anos, Portugal não recebeu qualquer candidatura e o Ministério da Cultura ainda não tem disponível uma lista que facilite a escolha dos investimentos. Se esta opção não funcionou, talvez a alteração a promover na Lei dos Estrangeiros seja no âmbito da Cultura e não mudar aquilo que está a correr bem com as opções de investimento no sector imobiliário.

Em tempos em que a Cultura espera e desespera, acredito que o “malfadado” Visto Gold possa também aqui ter um papel preponderante no relançamento deste sector. As artes performativas podem, em conjunto com os investidores estrangeiros e independentes do investimento público, dar a volta à crise e criar uma dinâmica no sistema. Se tal acontecer, ficará para a história portuguesa como o dia em que o capital apoiou a cultura e os dois gostaram.

Em muitos países, as artes performativas são apoiadas por fundos de investimento. A qualidade dos espectáculos garante salas cheias e bilheteiras esgotadas. A pergunta que se impõe é se a nossa Ministra da Cultura tem capacidade e força para (re)lançar o Visto Gold cultural e se o sector tem capacidade para agarrar esta oportunidade e reinventar-se para se tornar atractivo aos olhos dos investidores internacionais.

A política migratória é uma ferramenta essencial para ajudar a superar esta situação económica difícil. Estou certa de que não será por falta de vontade ou de disponibilidade dos portugueses que não se fará o que tem de ser feito, a bem da economia e do país. Portugal vai voltar a dizer “Presente”. Aquilo que nos falta, neste momento, é o mesmo de sempre: precisamos que o nosso Governo nos dê um mapa, uma estratégia, um caminho e que a oposição faça o seu trabalho e nos apresente propostas alternativas.