Um dos grandes problemas do Governo de António Costa é a displicência.

O cidadão português começa a ficar incomodado com as decisões de Conselho de Ministros vertidas em PowerPoint, fonte 50, para definir assuntos complexos que devem ser tratados com tempo, suportados pela estatística, estudos académicos e equipas multidisciplinares. Este modus operandi simplista e negligente corrói a confiança do eleitorado e dá um péssimo exemplo às gerações mais novas.

Definir as políticas públicas migratórias nunca foi tão urgente. Infelizmente, Portugal continua sem rumo também nesta matéria.

Caro Leitor, chamo a atenção para dois erros graves cometidos pelo Governo, um com as regras do fim do golden visa previstas no pacote “Mais Habitação” e outro com a forma como tem sido extinto o SEF ao longo dos últimos 2 anos.

Apesar de nunca terem sido anunciadas as conclusões do grupo de trabalho criado em Novembro de 2022 para avaliar o fim golden visa, o pacote Mais Habitação prevê o fim desta categoria de vistos como medida para acabar com a especulação imobiliária.

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Para ganharmos perspetiva, vale a pena observar o contexto estatístico dos vistos gold: entre Outubro de 2012 e Fevereiro de 2023 foram concedidos 11.758 títulos de residência por via do investimento (fonte SEF).

Não pretendo analisar o impacto do golden visa na especulação imobiliária nem a pertinência da revogação do programa. É tarde demais porque o programa já está morto junto da opinião pública. Apenas pretendo chamar a atenção do leitor para a forma desastrada como o PowerPoint do Conselho de Ministros (versão 30.03.2023) concretiza a revogação da autorização de residência por via do investimento em três actos:

a. “Não podem ser atribuídos novos Vistos Gold, a contar da data de 16 de fevereiro de 2023.

O iluminado Conselho de Ministros de dia 30 de Março insiste na retroactividade da lei, perpetuando a discussão sobre a constitucionalidade uma vez que está em causa uma violação do princípio da confiança. No âmbito da Consulta Pública do pacote Mais Habitação, foram submetidos dezenas de pareceres de Constitucionalistas reforçando a inconstitucionalidade. Mesmo assim, o Governo na segunda versão do PowerPoint insiste que não tem intenções de aceitar os requerentes que submeteram o pedido de residência entre o dia 17 de Fevereiro 2023 e a entrada em vigor do diploma. Não se percebe se o Governo está a fazer de propósito ou não. Com o arrastar da situação tem argumentos para responder à Comissão Europeia mostrando que está a cumprir o que foi pedido (só não consegue concretizar se o Tribunal Constitucional travar e, nesse caso, não se pode dizer que a culpa é do Governo). Por outro lado, em Portugal o arrastar do processo permite que mais investimentos sejam realizados até que o Tribunal Constitucional se pronuncie e o processo legislativo fique concluído. Deixando a situação dos investidores e promotores imobiliários muito complicada se eventualmente esta versão da Lei passar. A casmurrice idealista do Governo e a pretensa habilidade política pisam a mesma corda bamba.

b. “No caso dos vistos gold solicitados e ainda não atribuídos, salvaguarda-se que os que estiverem pendentes do SEF ou pendentes de procedimentos de controlo prévio nos municípios, são oficiosamente tramitados no regime de autorização de residência para imigrantes empreendedores.”

A redacção deste segundo parágrafo é imprecisa. Tentamos traduzir da seguinte forma: neste grupo de vistos gold “solicitados e ainda não atribuídos” encontram-se os cidadãos estrangeiros que investiram entre 2021 e 2023 milhares de euros e que, por ineficiência do funcionamento da Administração Portuguesa, ainda não têm um título de residência (alguns aguardam há 15 meses). Como se isto não bastasse, o Governo acha por bem alterar as regras do jogo, depois deste ter começado, e antes de cumprir com a emissão do prometido título de residência. Ou seja, o Governo pretende que os processos destes investidores sejam convertidos noutro tipo de autorização de residência sujeito ao regime geral. Infelizmente, o Governo esqueceu-se que ao transitarem para o regime dos imigrantes empreendedores deixa de existir a obrigação de manter os níveis avultados de investimento, uma vez que a Lei dos Estrangeiros prevê outras alternativas de residência para quem escolhe viver em permanência em Portugal.

c. No caso de renovação dos já atribuídos, a cada dois anos, a mesma fica salvaguardada pela reconversão da autorização de residência em autorização para imigrantes empreendedores e desde que cumpridos os respetivos requisitos, devidamente aferidos pelas entidades competentes para a verificação do projeto empreendedor em curso”.

Por fim, o terceiro passo deste Harakiri passa por prever que, mesmo os investidores que já têm título de residência há mais anos quando alcançarem o próximo momento de renovação do título de residência vão de uma forma oficiosa ser “gentilmente” encaminhados para o regime geral. Este regime geral obriga a permanência em território nacional e a residência fiscal, podendo o investidor libertar-se do ónus do investimento.

Considerando que os investidores dos grupos descritos em b. e em c. são perto de 70% e que o total investido nestes últimos 11 anos foi € 6 852 797 996,14 (fonte SEF) será que o Governo ponderou o impacto da reversão dos investimentos?

O golden visa está morto. Contudo, há diversas formas de se terminar um programa. Esta valsa lenta tem um impacto junto dos investidores internacionais “não-golden visa” que perante estes laivos de insanidade retraem-se e cancelam ou adiam investimentos.

A Irlanda, a Espanha e a Grécia também terminaram ou inseriram alterações aos programas. Contudo, fizeram-no de uma forma clara. Não arrastando um processo de indefinição por vários meses.

O segundo ponto que aprofundarei na próxima semana é sobre a extinção do SEF que está agendada para o próximo Conselho de Ministros. Portugal nunca teve tantos estrangeiros a viver em Portugal. No último trimestre, o Governo tem permitido a legalização automática de milhares de estrangeiros sem realizar qualquer controlo sobre a situação dos mesmos, e vai extinguir a única força policial com experiência nesta área dividindo-a entre a PJ e o IRN que não tem mãos a medir com os processos que tem sobre a sua alçada.

Aguardamos ansiosamente pelo próximo PowerPoint explicativo do Conselho de Ministros sobre a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo.

Concluo respondendo à pergunta com a certeza de que não há vida no Conselho de Ministros para além da mediocridade dos PowerPoints.

Escrevo este artigo no dia das mentiras, era bom que isto fosse uma, mas infelizmente não é.

Lisboa, 1 de Abril de 2023