A nota final da reunião de 14 de dezembro de 2017, da Comissão Bilateral de Acompanhamento do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, nos seus 33 pontos, voltou a elencar uma série de apoios estadunidenses a Portugal. A regra da vida habitual. Tal como o incumprimento norte-americano de parte do que fica estipulado. A realidade a desmentir o papel.
Na recente estada na Terceira tive oportunidade de dialogar com uma personalidade que participou em várias reuniões no âmbito do denominado Acordo das Lajes. Um depoimento que levantou uma questão importante. Prende-se com o facto de a reunião ser feita apenas em inglês. Melhor, em inglês padrão dos EUA.
Queixava-se o meu interlocutor de que tal circunstância favorecia os negociadores estadunidenses, pois, como é natural, dominavam com mestria o código linguístico. Uma desvantagem para a parte portuguesa por mais fluente que fosse em inglês.
De facto, não é fácil pensar numa língua novilatina ou românica e expressar-se num idioma anglo-saxónico. Há sempre margem para discrepâncias.
Esta reclamação teve o condão de me fazer recordar uma situação semelhante e que teve a conceção de facilidades nas Lajes por tema. Assim, aquando das negociações que levariam à assinatura do Acordo das Lajes, Luís Teixeira de Sampaio, o secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, queixou-se a Salazar de que o representante inglês, Ronald Campbell, apesar de ser um “funcionário de carreira, com mais de 60 anos” e que falava “lindamente o francês”, por duas vezes, já dissera a Salazar “coisas diferentes” daquelas que Sampaio lhe tinha dito. Obviamente também em francês. Língua que falava “com facilidade”.
Voltando ao testemunho, refira-se que, para além do fator linguístico, fiquei a saber que a parte estadunidense funcionava como uma espécie de jograis bem treinados. Cada interveniente sabia o momento exato de entrada e a sua intervenção pegava no argumento anterior e abria caminho para o seguinte. Uma sincronia que não se verificava do lado português. Um indício da falta de coordenação prévia.
A leitura do comunicado final da 38.ª reunião da Comissão Bilateral, no seu ponto 10, permite constatar que a base aérea das Lajes é fundamental para a segurança global. Uma constatação óbvia numa conjuntura em que os submarinos nucleares russos voltaram ao Atlântico Norte e os mais altos representantes da República Popular da China fazem paragens «técnicas» na pista da Terceira.
Quanto ao resto, a declaração final fica-se pela vagueza dos lugares-comuns, uma vez que as referências a ações concretas não primam pela abundância. Talvez por isso o esquecimento – que pode ter sido muito bem lembrado – de não indicar o porto da Praia da Vitória como o local de instalação da estrutura do gás para navios (GNL).
Importante sim é o reforço da ideia de que o acordo está no bom caminho. Por isso, o recurso continuado a palavras como: “renew”, “shared”, “cooperation”, “positive”, “reaffirmed”, “welcomed”, “remain”, “continue”, “ongoing”…
Palavras em inglês. Obviamente. Apesar de a reunião ter decorrido em Lisboa. A capital de um país de doutores poliglotas. Algo que ainda não acontece em terras do Tio Sam, apesar de a declaração mencionar, no seu ponto 26, um aumento de 23% no número de estudantes norte-americanos a estudarem nas universidades portuguesas.
Não é seguro que este dado venha a possibilitar que, a médio prazo, as reuniões sejam bilingues. Ainda é menos provável que, nas próximas reuniões, os Estados Unidos se vejam obrigados a aumentar as contrapartidas como forma de evitar a partida forçada das Lajes.
Afinal, ser amigo da casa no alto da colina é um privilégio que dispensa essas miudezas.