Decorreu nos passados dias 23, 24 e 25 de Junho o Estoril Political Forum 2014, o 22º Encontro Internacional de Estudos Políticos organizado pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. A edição deste ano foi dedicada à reconsideração da terceira vaga de democratização, 40 anos depois da revolução portuguesa e 25 anos depois da queda do Muro de Berlim. Seguindo e alargando a prática adoptada em edições anteriores, o Forum foi organizado em parceria e com apoio de embaixadas e instituições universitárias e de investigação de vários países: Alemanha, Brasil, Bulgária, Eslováquia, Estados Unidos da América, Hungria, Moçambique, Polónia, Reino Unido e República Checa.
Durante os três dias do Forum, cerca de meio milhar de participantes provenientes de um vasto leque de países juntou-se para discutir ideias e reflectir sobre alguns dos principais problemas contemporâneos no âmbito da ciência política e das relações internacionais. Como habitualmente, a presença de alguns dos principais especialistas internacionais – tanto no plano académico como no da experiência prática – nos temas abordados foi viabilizada através de um leque alargado de apoios e mecenato. Também como vem sendo hábito, não obstante a sua relevância nacional e internacional, a organização não contou com qualquer financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, o que é facilmente compreensível para quem conheça as prioridades bem marcadas que dominam a FCT no âmbito das ciências sociais.
Dado a minha ligação ao IEP-UCP (fica feito o disclaimer), a minha perspectiva não é, naturalmente, neutra, mas creio ainda assim ser justo salientar também o ambiente de discussão livre, aberta e genuinamente plural. No painel em que tive oportunidade de participar (um dos poucos exclusivamente nacionais), foram oradores também João Cardoso Rosas, José Gomes André e Miguel Morgado. Como tive oportunidade de salientar no início da minha intervenção, bastaria considerar apenas as diferentes posições dos quatro oradores desse painel (todos eles investigadores com associação ao IEP) para ter um grau de pluralismo substancialmente superior ao de algumas instituições universitárias e de investigação no nosso país que reúnem nos seus pesados quadros largas dezenas de académicos.
Foi também neste contexto de liberdade e independência que foi atribuído o Prémio Fé e Liberdade a Alexandre Soares dos Santos, ex-presidente do grupo Jerónimo Martins. Curiosamente, foi o anúncio da atribuição deste prémio que mais atenção mediática prévia gerou para o Forum (veja-se por exemplo a notícia no Expresso e no Observador). Um pequeno grupo de destacados católicos, onde pontificam figuras como José Manuel Pureza, Jorge Wemans e Frei Bento Domingues, achou por bem manifestar “grande perplexidade, tristeza e indignação” pela atribuição do prémio, lançando simultaneamente várias acusações formuladas em linguagem marcadamente deselegante e vagamente marxista.
Sem colocar em causa, de forma alguma, a liberdade dos indignados, importa afirmar que a sua iniciativa acaba por ser extremamente reveladora. Por um lado, releva um profundo incómodo com qualquer visão divergente e um desejo de condicionar e limitar a acção daqueles que só conseguem percepcionar como inimigos ideológicos. Por outro lado, revela também lacunas profundas no entendimento da importância da vocação empresarial para o bem comum. Como se refere na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, do Papa Francisco: “A vocação de um empresário é uma nobre tarefa, desde que se deixe interpelar por um sentido mais amplo da vida; isto permite-lhe servir verdadeiramente o bem comum com o seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos.”
Pela sua acção no plano empresarial, dificilmente se encontrará um exemplo melhor em Portugal de cumprimento desta vocação – contribuindo decisivamente para “multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos”, ao mesmo tempo que criou e manteve milhares de empregos em Portugal – do que Alexandre Soares dos Santos. Um cumprimento que o empresário tem sabido desde sempre conjugar e colocar ao serviço de valores cristãos e de um profundo empenhamento cívico, como muito bem salientou Manuel Braga da Cruz na apresentação do prémio. Mais ainda, fez o seu percurso com um notável grau de independência num país em que tal é particularmente difícil de conseguir. Suspeito aliás que o principal “crime” de Alexandre Soares dos Santos seja precisamente esse: o da independência. Mais do que a criação de riqueza, o que realmente indigna alguns é que Alexandre Soares dos Santos tenha a coragem pessoal de não se vergar ao politicamente correcto, como aliás é notório na frontalidade das suas intervenções públicas.
Seria óptimo para Portugal – e em particular para o combate à pobreza no país – ter mais empresários com a vocação, coragem e independência de Alexandre Soares dos Santos e menos intelectuais especializados em viver à mesa do Orçamento do Estado.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa