“Os antigos não eram burros”
(frase de um popular sobre a morte dos sobreiros plantados por António Costa em Leiria)

Se os antigos não eram estúpidos, há quem os queira assim pintar. É verdade que o lobo ocupa um lugar central no imaginário dos povos do hemisfério norte que com ele conviveram e de onde resulta um legado cultural, rico e ancestral, onde o lobo inevitavelmente é apresentado como a encarnação do mal, e que tomam forma nas várias histórias que todos conhecemos, caso do “capuchinho vermelho”.

O lobo era temido. Temor esse que tem sido considerado irracional – diz-nos a academia que os lobos não atacam pessoas. O ambientalismo e sobretudo o animalismo vão ainda mais longe, ao ponto de ridicularizar o próprio lobo no imaginário coletivo: temos o lobo bom, que até chega a ser vegetariano, dócil, amigo…

Nada disto tem pés ou cabeça: os lobos nem são bons, nem são inofensivos.

Efetivamente, os ataques de lobos são estatisticamente irrelevantes. Mas também os de ursos ou leões ou tubarões o são, e não é por isso que lhes chamamos inofensivos. E apesar de ataques de lobos a pessoas dependerem de contextos muito específicos, eles aconteceram ao longo da história e dão suporte ao medo que as pessoas dele sentiam, que não, não tinha nada de irracional.

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Linnell estudou esses ataques pelo mundo e tipificou-os em dois grandes grupos: animais com raiva e ataques a crianças. Algo que hoje parece pertencer ao passado por falta de contexto: não temos hoje na maioria da Europa nem animais com raiva nem crianças de 7 ou 8 anos a irem sozinhas para a montanha atrás de um rebanho de cabras. Os próprios lobos quase desapareceram do velho continente, pelo que o perigo dos lobos tornou-se um não assunto. Isto não significa que os lobos se tenham tornado inofensivos. E menos significa que os lobos se tenham tornado bonzinhos.

Na verdade o lobo não é bom, como antes não era mau. O bem e o mal são construções humanas. Os lobos são apenas… lobos.

O capuchinho-vermelho é uma história. Mas não apenas uma história assustadora para quem gostava de terror quando a sétima arte ainda não ocupava os nossos serões. Era uma história que ensinava as crianças para os riscos da displicência de andarem sozinhas em terras de lobos.

Por estes dias surgiu a notícia de uma mulher atacada por lobos nos arredores de Paris enquanto corria num parque safari, e que se não fossem os seus gritos de auxílio teria acabado morta. A pobre coitada não terá aprendido a lição que a história do capuchinho-vermelho conta. Ou talvez também ela acreditasse que era tudo uma treta e que afinal os amigos lobos só comem cenouras, couves e alfaces.

Os lobos não foram bons nem maus. Novamente, a questão aqui é o contexto. E um contexto que tem tudo para se expandir no futuro à medida que os lobos se têm espalhado novamente pela Europa com muitos deles a viverem junto ao homem em áreas urbanas. Não está estudado entre lobos mas é algo que se conhece de coiotes, dingos ou até raposas: os animais podem criar habituação ao homem e tornam-se confiantes. Será algo transversal a todos os canídeos e é uma nova forma de perigo: lobos confiantes são… Perigosos. E não só as autoridades devem estar vigilantes como as pessoas devem estar informadas para os riscos.

Desleixar a consciência dos riscos, por mais que bem intencionada (ah e tal que se as pessoas não tiverem medo os lobos são menos perseguidos – não é assim, mas percebe-se a lógica.), e abrir espaço a mais e mais acidentes futuros pode acabar por se virar contra a própria conservação do lobo (que em minha opinião nem tinha que depender destes riscos porque não por um animal ser perigoso, como um tigre, que não deva merecer esforços de conservação).

Esta é só uma história em que a consciência do perigo não existiu. O espaço pelos vistos estava sinalizado como perigoso e restrito à circulação pedonal, coisas que a senhora não respeitou. O resto não sabemos bem como aconteceu. Mas uma coisa eu sei por ter trabalhado uns anos na Tapada de Mafra onde também amiúde ocorrem acidentes com animais, e não só eu como qualquer leitor que assista a alguns vídeos que circulam na internet: ao contrário dos antigos que não eram burros, as pessoas são capazes de fazer coisas incrivelmente estúpidas (tirar selfies, dar comida a animais, etc.).

Podiam ter sido ursos que também vivem no dito parque e que recentemente também foram protagonistas de encontros problemáticos – até mortais – com pessoas na Europa. Calhou serem lobos. Não lobos maus nem bons, apenas lobos. E foi a senhora que, como a sabedoria popular aliás profetizou, literalmente se pôs na boca do lobo.