Era uma vez um menino António, moço afável, possuidor de algumas qualidades, e muito desembaraçado. O menino António nasceu em Lisboa e viveu sempre em Lisboa. Um dia, pensou-se político. Inteligente, este António graduou-se e tirou mestrado. Esperto, diz-se socialista, ou simplesmente frequenta. De acordo com os padrões da sede do partido, o António classificou-se, ou foi classificado (tanto faz), como um eleito entre os eleitos. Por lá se viciou e se formatou, e graças a lá, deu rumo à sua vida. Mais tarde António julgou-se um robusto com a lengalenga bem decorada e que nunca falha, seja a preocupação com a pobreza, as injustiças, as minorias, o lobo ibérico, a transição energética, ou a globalização. E também a preocupação com tudo o que calha, desde que o que aparecer à mão sirva de arma de distração de cada vez que os maus resultados, uma fatalidade, vierem ao de cima. Inscrições na pedra, só uma: nunca colocar em causa os interesses do partido e do país poderem divergir.

Com o passar dos anos, cargos, televisão, parcerias infames com leninistas e radicais, papinha surripiada ao anterior ocupante de São Bento, conjuntura de encomenda, este António foi-se dilatando muito, gabando-se sempre dos resultados com origem nos outros, de que se apropriava, ao ponto de, já muito roliço e a estoirar de gozo, ter chegado ao desplante de afirmar “Habituem-se”. De facto, António andava pelas sete quintas. Falava, discorria, palrava, enunciava. Tudo lhe corria bem. A oposição, coitada, com todos os ventos contra, só esboçava um leve sorriso de esperança quando António balbuciava “Vamos lá a ver”, sinal de quando alguma coisa o incomodara.

Mas enquanto António se passeava farto pelas quintas, os portugueses arrastavam-se cada vez mais como podiam, muito impotentes, e cada vez mais desconfiados, pois tudo o que lhes era vendido como rosa apresentava-se-lhes cada vez mais negro. E se até agora os casos ou casinhos iam passando pelos pingos da chuva, a natureza das coisas, ou talvez a natureza humana, ou muito provavelmente a natureza do Rato, tratavam agora de dilatar, não António, mas a dimensão dos casos. Com um adicional. Os casos e casões passaram a ser escrutinados, obrigando agora António a expor-se aos incómodos das explicações e à revelação das suas insuficiências.

E foi através das diatribes e maluquices cada vez maiores produzidas pelas gentes do partido que os portugueses puderam conhecer a outra face do António. E o resultado não se revelou muito famoso. Vejamos:

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  1. RH. António não percebe patavina de recursos humanos. É um aselha completo. Pura e simplesmente não sabe escolher pessoas.
  2. Duro de ouvido. António não ouve. Não faltou aviso de que rodear-se de peças do séquito de Sócrates podia dar asneira.
  3. Amador. António tem uma visão familiar e muito antiquada das organizações. Confunde informalidade com eficiência, o que, aliás, é cultural. Sem cobrar nada, informo que levantamento de processos, sua implementação e afinação é condição necessária para organizações eficientes. A boa nova para este e outros Antónios mais assustados é que ainda assim existe espaço para a informalidade. Mas, lá está, é para ser aplicada na exceção. A tal opacidade de que António se queixa resulta da falta de processos eficientes e do excesso de informalidade. Para mais informações é favor contactar muitas consultoras que existem por aí. Acreditem Antónios, a modernidade não é uma impossibilidade.
  4. Falta de noção sobre o que significa conflito de interesses. No século XXI, num país dito democrático e membro da UE, ter apoiado a passagem do ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal e agora sugerir a passagem do mesmo para primeiro-ministro é de General Alcazar ou Coronel Tapioca. Ou então um indiciador de graves problemas cognitivos.
  5. Incapacidade na aplicação prática de conceitos teóricos dos regimes democráticos. António só conhece os conceitos de Estado de Direito pelo que vem nas sebentas da faculdade. Não duvido que as saiba na ponta da língua. Mas na execução prática é um nabo. Comunicação oficial como primeiro-ministro demissionário em horário nobre enquanto dois membros do seu gabinete são interrogados pelo ministério público é entrar com o poder político dentro do poder judicial. Já antes fora intolerável uma acusação direta a um ex-adjunto de Galamba durante uma outra comunicação formal.
  6. Mau líder. António vale-se da sua posição para brincar ao Maquiavel e facas florentinas com pessoas em posição vulnerável, o que tende a atrair passivos pouco recomendáveis, como malandros, agachados e interesseiros.
    E é por estes estranhos dias, em que quero acreditar ter caído a ficha a muito iludido, que talvez fosse útil aos portugueses começarem a interrogar-se sobre as peças, perfis, prendas, cromos, ou o que quiserem chamar, que vão saindo das sedes dos partidos, seja a do Rato (os campeões destacados) sejam de todas as outras. Cheias de Antónios, das sedes tem vindo quase sempre uma conversa de vendedor da banha da cobra de primeira categoria, sobrando em capacidade de comunicação e descaramento o que falta em profissionalismo e noção do mundo real.

Vai estar nas mãos do eleitorado o exercício do seu poder através do voto. Se não levarem uns sustos e uns coices valentes na noite das eleições, os partidos mais marotos não terão aquela motivação para modificar as suas fórmulas. Até agora o eleitorado tem visto os partidos como um clube de quem se gosta, não percebendo que a cantiga do bandido que estes lhes põem nos ouvidos só é útil para os que deles se servem para levar avante as suas agendas particulares. Histórico não falta.

Por isso, eleitorado, ficai atento, e olhai melhor para a peça que te plantarem à frente e menos para qualquer jura de mudança que te venderem, certamente uma das promessas do António que se segue.