A AD apresenta-se a estas eleições como a força política vencedora das recentes legislativas e como actual força de governo em Portugal, esperava-se naturalmente que se apresentasse a eleições numa postura mais conservadora no que à estratégia política diz respeito, apresentando um candidato sonante, mas experiente e com bagagem política, ou até mesmo com tendências subversivas dentro do próprio partido e mandado para Bruxelas, onde o barulho da lavagem de roupa suja não chega a Lisboa e o salário simpático de Eurodeputado ajuda a manter o desejado silêncio nas hostes, como o PS fez com Francisco Assis.

É por demais evidente que a colocação de Bugalho como cabeça de lista, sem desprimor pelo mesmo e pelo seu valor, é tão somente uma manobra de marketing político e de um grau de risco demasiado volátil, tanto pode correr muito mal, como pode correr muito bem. Pode correr mal porque o candidato é completamente inexperiente do ponto de vista político, há uma grande falta de bagagem para alguém atirado para a frente de um projecto de campanha em níveis de intenções de voto tecnicamente empatadas entre os dois maiores partidos, vai ser uma luta demasiado intensa para um debutante político. E pode correr bem porque o candidato tem algum talento retórico, alguma sensibilidade para ler a meteorologia política nacional e, rodeado das pessoas certas poderá reunir relativas condições para um inaudito golpe de asa.

Todavia, tratando-se de puro marketing e de uma escolha baseada mais na projecção mediática do indivíduo do que no traquejo político do mesmo, existe um leque de preocupações que inevitavelmente me assolam. A primeira de todas é o facto de eu não fazer a menor ideia de onde posso consultar o pensamento político de Sebastião Bugalho no que concerne ao projecto europeu, não há um artigo científico, não há uma tese, não há um livro onde o cabeça de lista às europeias pela AD explane a sua ideia de Europa e as suas referências de pensamento, terei de me cingir a possíveis recortes televisivos e possíveis artigos de jornal. A segunda preocupação que me assola, que não é menos importante que a primeira, é a preocupação de ver partidos de poder moderados a terem de recorrer a uma estrela da televisão para se sentirem em boas condições de vencer umas eleições, numa completa espetacularização da política, que tão mal tem corrido com os Donald Trumps e Beppe Grillos desta vida, sem querer comparar o carácter de Bugalho com o destas duas fracas figuras, isto não diz apenas muito da nossa flora política, como diz também muito da nossa sociedade civil e a sua dependência do espectáculo que alastra ao campo político, onde aliás, não deveria sequer chegar perto. Quando um povo se deixa enfeitiçar pela política-espetáculo, qualquer cenário dantesco se torna possível num quadro que só nos elucida sobre Platão e a sua Alegoria da Caverna. É misturar alhos com bugalhos, metafórica e literalmente.

Foi notório também o fenómeno da polvorosa em que ficaram as redes sociais no dia seguinte ao anúncio, onde a campanha de ridicularização e ressentimento foi evidente, especialmente no Twitter/X, onde a turba saltava na poeira para alcançar a melhor maneira de retirar crédito a um indivíduo que se limitou a aceitar um convite que lhe foi feito, deixando para detrás do pano os autores do convite, como se Sebastião Bugalho tivesse cometido um acto eticamente reprovável em dizer um sim aos líderes da AD. Ora porque é um comentador, como se os comentadores fossem um cidadão de segunda e desprovidos de identidade e sem direito à intenção política, isto no país onde os comentadores vão e voltam da política para o comentário, como se não tivéssemos um Presidente da República que foi comentador, como se não tivéssemos um ex-Primeiro Ministro António Costa que já foi comentador, e ao que consta, para lá regressará. Pedro Adão e Silva saltou de comentador para chefe da comissão dos 50 anos do 25 de Abril e de seguida para Ministro da Cultura, acontece regularmente em Portugal. Ora é porque é um jovem imberbe que nunca trabalhou, tendo uma carreira de jornalista de quase 10 anos.

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O erro de Sebastião é precisamente não ser de esquerda. Se fosse de esquerda e fosse jornalista, comentador, jovem, com um estilo muito acutilante e escolhido para encabeçar uma lista eleitoral de esquerda seria visto como um jovem enérgico, valente, irreverente e com vontade de fazer coisas e o partido que o convidasse daria uma demonstração de virtuosismo, como é de direita é um oportunista, comentador faccioso a fuçar por poder e o partido que o convidou dá uma demonstração de viciosismo.

Jorge Semprún, escritor espanhol, político, resistente anti-fascista, e prisioneiro do campo nazi de Buchenwald, depois de se afastar do Partido Comunista Espanhol em divergência com a censura à autonomia intelectual e embarque na cartilha autoritária e estalinista de Moscovo, via os seus antigos amigos e camaradas de partido passarem para o lado contrário da estrada para não se cruzarem consigo, testemunhado ao vivo, segundo palavras do próprio, que o pior inimigo de um comunista é um ex-comunista.

Por cá, o pior inimigo da esquerda é qualquer jovem que diga abertamente que é de direita, não existe para este campo politico – que sempre reclamou a juventude para si – maior heresia, e que não deixa de ser, em bom rigor, misturar alhos com bugalhos.