Luís Montenegro parece um homem feliz. E tem razões para isso. O líder que nunca foi da oposição tornou-se primeiro-ministro. Ganhou por pouco ou quase nada mas foi declarado vencedor não tanto por ter ganho as eleições mas sobretudo por o PS e a esquerda as terem perdido de tal forma que mesmo todos juntos não conseguem governar. Montenegro acabou primeiro-ministro por tudo isso e — e é nesse “e” que está o cerne da questão — ganhou apesar dele mesmo.
Montenegro levou a campanha a garantir que pode agradar a todos no presente, sejam eles jovens emigrantes, professores, polícias ou médicos, e até a querer agradar retrospectivamente, ao procurar reconciliar-se com os pensionistas ofendidos do passismo (que estão para os cortes nas pensões como a avó da Mariana Mortágua para os inquilinos ameaçados de despejo: a verdade dos factos é muito diferente da propaganda).
À espera do seu governo está um país que parece uma aglomeração de suplicantes e queixosos: “PSP e GNR exigem a Montenegro que “honre o compromisso que firmou”; “Guardas prisionais exigem reunião com nova ministra até final de abril“; “Professores dão 60 dias ao próximo Governo e ameaçam fazer greve aos exames“…
Espera-se que Montenegro governe melhor que Costa, o que, dado o estado de inoperacionalidade a que os socialistas reduziram a máquina administrativa, não será difícil. Mas Montenegro tem de ser capaz de mais. Tem de provar à esquerda que a direita tem legitimidade política e libertar o país do estado de sobressalto a que o Chega o quer reduzir. Mas será que Montenegro o quer fazer? Não só eu não sei responder a esta pergunta como, e é isso que conta, me parece que o próprio também não sabe. Para começar há uma ingénua displicência que inquieta na forma como a AD parte para os momentos em que precisa de fazer prova política: acreditar que o PS e o Chega iriam cumprir com a prática institucional nas escolhas para a mesa da AR é um erro da mesma natureza que levou o PSD a subestimar a confusão que iria criar no eleitor a existência de duas AD no boletim de voto. Percebe-se o que aconteceu mas não se entende como se deixou acontecer.
Depois existe a tentação tecnocrática: como no governo se acredita que o executivo terá um desempenho positivo (o que é provável tendo em conta o curriculum de alguns dos ministros e viável durante o brevíssimo período em que durar a memória dos 75.800 euros escondidos no armário do chefe de gabinete de António Costa) haverá a tentação de pairar acima da política, como se Montenegro tivesse sido eleito apenas para gerir melhor. No imediato deve resultar, pois PS e Chega precisam de se ajustar aos votos que tiveram. André Ventura quer e precisa de estar na oposição. Pedro Nuno Santos idem. Ambos acreditam que só liderando a oposição poderão vir a chefiar um governo.
Estamos portanto no breve intervalo de tempo em que o lugar em disputa não é o de primeiro-ministro mas sim o de líder da oposição. Confundir este compasso de espera da oposição para descansar da luta política será uma opção fatal para Montenegro. Porque sem afirmação política não há legitimidade para ser poder e porque a sua derrota é muito mais que a sua derrota. Esta é talvez a última oportunidade para o centro direita liderar a mudança. Perdoar a Montenegro que falhe como primeiro-ministro é fácil. É a vida e faz parte dela. Imperdoável será que conduza o seu campo à derrota política.
PS. O cardeal D. Américo Aguiar é o primeiro nome da lista de Pinto da Costa ao Conselho Superior do Futebol Club do Porto. D. Américo Aguiar é livre de gostar de futebol ou doutro desporto qualquer. Ir aos jogos. Celebrar e interceder junto da corte celeste para que o seu club ganhe. O que não entendo e francamente critico é que alguém com o papel que o cardeal D. Américo Aguiar tem na Igreja apareça a subscrever uma lista de apoio a um candidato à liderança de um club de futebol. Seja qual for o candidato e o club. D. Américo Aguiar tem momentos em que certamente não lhe falta a fé mas tem uma manifesta e muito preocupante falta de siso que confunde com proximidade.