Ao longo da História, principalmente antes da entrada conjunta de Portugal e Espanha para a Comunidade Europeia, deste lado da fronteira o povo proverbiava que «de Espanha nem bom vento nem bom casamento». Uma forma de deixar claro não apenas as nefastas consequências do vento suão durante o estio, mas também a lembrança dos sessenta anos de ocupação filipina.
Na conjuntura atual, os ventos vindos de Espanha continuam a dar razão à primeira parte do provérbio, pois insistem em ser frios no Inverno e quentes no Verão. Porém, no que concerne à segunda parte, a mesma parece já não revelar tanta acuidade, como a intensidade das trocas comerciais se encarrega de provar. Por isso, a Espanha começa a ser vista como vizinho mais do que como inimigo íntimo.
Aliás, a circunstância resultante da atual superioridade espanhola, e não apenas no que diz respeito à dimensão geográfica, leva a que Portugal observe com atenção o que se passa para lá de Badajoz. Uma atitude que nada tem a ver com a mentalidade provinciana denunciada por Eça de Queiroz. A Espanha não passou a ser o exemplo a seguir de forma automática e acrítica, mas o modelo a observar para dele colher algo que possa vir a ser útil a Portugal.
Por isso, numa conjuntura em que o Governo de António Costa e dos seus delfins se encarrega de delapidar a confiança recebida, ainda há tão pouco tempo, nas urnas, talvez se imponha olhar para os ventos políticos resultantes do mais recente ato eleitoral em Espanha.
Ora, chamados às urnas, em 28 de maio do corrente ano, para elegerem os seus representantes na maioria das regiões autonómicas e nos mais de 8100 municípios, os espanhóis decidiram castigar duramente o partido no Poder, o PSOE, muito por conta da aliança governativa com o Podemos, a estratégia que tinha permitido a Pedro Sanchéz assumir o cargo de primeiro-ministro. Por outro lado, concederam uma vitória robusta ao PP de Alberto Feijó, sem, no entanto, se esquecerem de lhe deixar vários recados.
Assim, na maioria das regiões autonómicas e das capitais de distrito onde o PP venceu, a vitória não foi por maioria absoluta, circunstância que obrigou Feijó a aceitar a inevitabilidade de coligações com o Vox, o partido populista cultural ou identitário que praticamente duplicou a sua anterior votação e mais do que triplicou o número de eleitos.
Dito de uma forma mais clara: os eleitores espanhóis disseram que, salvo em casos pontuais, designadamente na capital do país, não estavam interessados em que a estabilidade resultasse da existência de maioria absoluta. Pelo contrário, preferiam coligações. Além disso, num país marcado pela polarização política e tendências separatistas, o eleitorado fez questão de dizer que preferia que as coligações envolvessem um partido populista cultural ou identitário – o Vox – do que um partido populista socioeconómico – o Podemos.
Feijó percebeu a vontade dos eleitores e, por isso, o PP vai governar em 32 das capitais de província, embora só tenha vencido em 28 delas. Mais ainda, o líder do PP percebeu que uma avassaladora maioria do eleitorado defende a manutenção da integridade territorial de Espanha e, por isso, Feijó viabilizou o governo minoritário do PSOE em Barcelona e em Vitória, apesar da vitória dos independentistas catalães e bascos nas duas capitais.
Como a Espanha está na antecâmara das eleições gerais marcadas para o próximo dia 23 de julho, não haverá tempo suficiente, até essa data, para avaliar o desempenho das coligações agora formadas e, como tal, esse é um dado que não terá reflexos garantidos na vontade do eleitorado. Por isso, há que esperar mais um mês para perceber se o eleitorado concede o benefício da dúvida à solução encontrada e repete a nível nacional o comportamento que teve na dimensão regional e municipal.
Um comportamento a que Portugal terá de estar atento. Principalmente, o principal partido da oposição e o respetivo líder. Afinal, em democracia representativa, é aos eleitores que cabe decidir o tipo de Governo que pretendem. Mesmo quando, como acontece no caso português e a fazer fé nas sondagens e manifestações, os eleitores se veem, posteriormente, obrigados a dar a mão à palmatória e se arrependem da decisão tomada. Nada que não possa ser modificado na eleição seguinte. A grande vantagem do regime democrático.