A Constituição da República Portuguesa estabelece que a protecção na saúde se materializa através das coberturas de riscos e do acesso a determinados serviços que visam cuidados de medicina preventiva, curativa e de reabilitação. Com esse objectivo, o Estado organiza, coordena e subsidia um serviço nacional de saúde tendencialmente gratuito. Mas, também reconhece o papel que os cidadãos e a iniciativa privada (art. 64º nº 3d) podem desempenhar se se organizarem em iniciativas particulares, para produzirem eles mesmos bens de cidadania, nomeadamente no domínio da saúde.

É assim natural que, quer no sector privado, quer no sector social apareçam iniciativas, sob várias formas, mas com o intuito de servir a população e contribuir para uma completa cidadania, nos seus vários aspectos.

No sector social, seria natural que uma das vias utilizadas tivesse a sua base numa ideia fundada no mutualismo.

Porém, ao contrário do que sempre sucedeu em vários outros países, Portugal utilizou pouco o mutualismo como forma de encarar os vários problemas que a vida foi colocando e raramente adoptou este modelo para solucionar esses problemas.

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Tal é um pouco incompreensível, pois o mutualismo, cuja origem se perde no tempo, sempre provou ter capacidade para responder às necessidades das pessoas, através dos séculos, com soluções e inovações sociais.

O mutualismo tem uma essência única, a qual se revela na forma como são encarados os seus associados e também na forma como os seus associados encaram o sistema mutualista.

Estes são tanto beneficiários, como gestores do próprio sistema.

Cada um desses associados tem voz numa mútua, participando activamente nas decisões e colhendo os frutos do bom desempenho da organização. Uma mútua baseia-se num modelo assente na partilha, na responsabilidade colectiva e na justiça social. Oferece a quem ela aderir uma alternativa transformadora, inclusiva e solidária.

Outro importante aspecto que caracteriza uma mútua é a política de distribuição de resultados financeiros, os quais são reinvestidos na melhoria dos serviços e benefícios para os associados, reflectindo bem o compromisso que assume em colocar as pessoas como o seu foco principal.

As associações mutualistas são instituições particulares de solidariedade social e integram-se na economia social.

Nos séculos XIX e XX, algumas mútuas foram constituídas em Portugal, mas aquela que chegou até aos nossos dias e que é mais conhecida pelo desenvolvimento dos objectivos que traçou quando foi constituída é a Associação Mutualista Montepio Geral. Já no sector segurador, a Mútua dos Pescadores resistiu e continua hoje a sua actividade. Mais recentemente, foi criada a Fundação Champallimaud, ligada a um filantropo António Champallimaud e cuja actividade se fundamenta na cidadania nas suas várias dimensões e procura ajudar a sociedade no domínio da saúde.

Especificamente na área seguradora, o mutualismo é um dos princípios basilares do seguro. Representa a contribuição de várias pessoas expostas aos mesmos tipos de risco – o conjunto dos segurados – que visam a constituição de um fundo comum, composto pelo somatório dos prémios pagos à seguradora em questão.

Recentemente, ainda neste mesmo sector, outra mútua foi constituída e já se encontra a funcionar. Trata-se da Mútua Portuguesa de Seguros – MPS, uma cooperativa de responsabilidade limitada.

O projecto de criação de uma organização deste tipo levou a quase três anos de trabalho duma equipa de fundadores, de vários sectores e de várias formações, que se reviram na preocupação de criar uma alternativa, no ramo da saúde, às ofertas já existentes no mercado.

Com um cariz solidário e social, a MPS tem como seu propósito a assistência na saúde, na doença e na melhoria de bem-estar e qualidade de vida dos seus beneficiários. O seguro social de saúde que oferece destina-se a empresas que reconheçam a importância das coberturas oferecidas e decidam propô-las aos seus colaboradores, podendo abranger estes e o seu agregado familiar, quer durante a vida activa, quer depois da reforma. Este seguro não tem período de carência, não tem pré-existências e é para toda a vida.

Outras iniciativas decerto surgirão, quer no domínio da saúde, quer noutras áreas. O importante é elucidar, aconselhar e relevar a importância e os benefícios do mutualismo.

Convém, no entanto, sempre enfatizar que todas as possíveis novas soluções ligadas à saúde deverão incentivar as práticas preventivas e ir minimizando a incidência nas patologias, tendo como contrapartida contribuições por longos períodos (como já acontece nos países nórdicos e da Europa Central), sem penalização dos últimos anos de vida e transitando, de forma sustentada, para o que é designado por value-based healthcare.

Muitas dessas novas soluções passarão decerto pelo sector social e pelo mutualismo, o qual oferece variantes diversas que são adequadas ao que se pretende.

Como atrás foi referido, vários países como a Espanha, a Itália ou a França possuem mútuas de grande dimensão e relevante trabalho na saúde, na actividade seguradora, nos mais diversos domínios que poderão suscitar interesse da parte dos empreendedores portugueses que pretendam exercer essas funções  e tenham uma forte  preocupação social e em que,  simultaneamente,  os beneficiários serão igualmente os gestores dessas instituições, integradas  do denominado “terceiro pilar”: o sector social.