Pacheco Pereira foi rápido: quatro dias depois das eleições americanas, aproveitou a vitória de Trump para tentar descredibilizar o Observador. Segundo PP, “o farol da nossa direita” (PP nunca conseguirá entender que uma certa direita rejeita faróis) já iniciou a sua “adesão” a Trump. Eu não falo pelo Observador, mas respondo por mim. Após a vitória de Trump, muitos de nós tentam perceber se um Presidente, sem experiência política e com propostas perigosas, irá mudar o seu país para pior, ou se os Estados Unidos, com instituições fortes e com uma longa tradição democrática, irão controlar um líder perigoso e imprevisível? As respostas já nos dividiram. Uns acham que Trump vai mudar os Estados Unidos para pior (alguns falam mesmo do fim da democracia americana, curiosamente muitos destes exibem um currículo de apoio a vários regimes autoritários, da antiga União Soviética à actual Venezuela). Outros, onde me incluo, acreditam que as instituições norte americanas vão impor limites e moderar o novo Presidente. Não há aqui qualquer adesão a Trump. Há preocupação, mas há também esperança e confiança nos Estados Unidos.
Esta distinção é ainda essencial no contexto do anti-americanismo. As correntes anti-americanas obviamente esperam (e desejam) o pior, para alimentar a oposição aos Estados Unidos, especialmente entre os europeus. Contam com Trump para separar a Europa dos Estados Unidos. Os pró-americanos, onde me incluo, confiam nas instituições americanas para salvar a relação transatlântica das piores ideias de Trump. Não tenho a certeza que isso venha a acontecer, por isso estou preocupado. Mas não tenho dúvidas: o fim da relação transatlântica seria péssima para a Europa.
Uma campanha eleitoral e o exercício do cargo de Presidente são dois mundos completamente diferentes. Mas não vale a pena ter ilusões. Trump vai ter que cumprir algumas das suas promessas. Para os europeus, seria positivo que Trump concentrasse as suas medidas revolucionárias na política interna, mas sem cair no isolacionismo externo. Ou seja, revoluções em casa, conservadorismo na diplomacia. A unidade dos republicanos e o mandato eleitoral vão obrigar Trump a privilegiar a política interna. Por exemplo, é provável que Trump e o partido republicano façam um esforço para seguirem uma agenda interna assente na redução da carga regulatória (no sector financeiro e na exploração de petróleo e gás), na diminuição da carga fiscal e no investimento público.
Trump falou para a classe trabalhadora branca e esta, maioritariamente, votou nele. A adesão (neste caso, sim, a palavra é apropriada) da classe trabalhadora a Trump foi, antes de mais, o resultado do fracasso do Partido Democrata. A escolha de Hillary Clinton não ajudou, mas estamos a assistir a uma alteração mais profunda. A esquerda americana deixou de saber falar à classe trabalhadora. Só fala às profissões liberais urbanas, aos funcionários públicos e às minorias. Os trabalhadores brancos sem educação ficaram órfãos e Trump soube ocupar esse vazio. Para cumprir as expectativas do seu eleitorado, Trump deverá seguir uma política industrial assente no investimento público e em estímulos fiscais e regulatórios às indústrias do carvão, do gás e do petróleo.
Esta agenda económica interna poderá provocar alguns protestos nas ruas das cidades europeias, mas não terá implicações negativas para a Europa. As duas grandes questões para a Europa serão a Aliança Atlântica e as relações com a Rússia. As declarações de Trump sobre a NATO, e nomeadamente sobre as obrigações de defesa colectiva decorrentes do artigo 5, têm sido ambíguas. A insistência com os europeus para aumentarem os orçamentos de defesa para 2% não tem nada de novo. Já muitos, começando com o Secretário Geral da Aliança, o disseram e repetiram. Mas Trump precisa, e rapidamente, de garantir aos europeus que qualquer ataque a um país da NATO também é uma agressão aos Estados Unidos. Sem o compromisso com a defesa comum, a NATO é irrelevante.
O expansionismo russo torna a Aliança Atlântica mais importante. De novo, Trump terá que ser muito claro e definir as linhas vermelhas na relação com Moscovo. Seria desejável que não adoptasse medidas unilaterais, nomeadamente o fim das sanções económicas contra a Rússia. Obama fez um esforço para cooperar com os países europeus. Espera-se que Trump faça o mesmo. No caso das relações com a NATO e com a Rússia, o partido republicano, os militares, os diplomatas e os serviços de inteligência podem desempenhar um papel essencial, mostrando a Trump os custos de se afastar da Aliança Atlântica e de uma política de apaziguamento em relação ao expansionismo russo, na Europa de leste e no Médio Oriente.
Ninguém pode prever o que vai acontecer com a presidência de Trump. A minha confiança nos Estados Unidos é superior à minha preocupação com as ideias de Trump. Por isso, tenho esperança que se possa evitar o pior. Posso estar enganado, mas isso está longe de significar qualquer adesão a Trump.