Ninguém votou no Chega, mas 1 em cada 5 votaram!

Na realidade todos temos alguém muito próximo que votou Chega. Isso faz-me lembrar a história do “eu não sou racista, até tenho um amigo que é preto”, ou “eu não sou homofóbico, até tenho um amigo que é gay” ou “eu não sou machista, até acho bem que a minha mulher trabalhe”.

A questão é que, sendo ou não sendo, gostando ou não gostando, votando ou não, há um partido que foi democraticamente eleito para mais de 20% dos deputados da Assembleia da República. E não ouvir esse partido é não ouvir o que esses cidadãos, que votaram no Chega, têm para dizer. É ser menos democrático do que o partido que argumentamos ser um partido “não democrático”.

Então passamos a ser #somostodosChega?

Não me parece.

O voto no partido foi, como tem sido dito por muitos, e eu concordo totalmente, um voto de protesto. Sim. Um protesto que era necessário. Não só ao Governo anterior, mas a todas as políticas de miserabilismo que têm vindo a ser propostas pelo Governo e pelos restantes (todos) partidos da Assembleia da República.

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Ficaram todos cansados da esquerda?

Não me parece. A esquerda existe e tem o seu lugar. Mas tem de rejuvenescer (e estou a referir-me aos vários partidos e não apenas a um). Tem de perceber que o modelo de assistencialismo deixa todos esgotados: quem contribui e quem é ajudado. Que o que todos querem não é (não devia ser) mais subsídios e mais subsidiados, mas antes, a não necessidade de assistência. E os votantes disseram que não querem mais. Querem melhor: querem ter oportunidades, ter emprego, ter salários dignos. Não querem ainda mais subsídios de desemprego e de inserção social. Políticas de IVA 0 não resolvem problemas estruturais. O que é preciso é baixar estruturalmente os impostos e reformar a justiça, a saúde e educação. Algo a que ninguém assistiu. Antes pelo contrário!

Ficaram todos cansados da direita?

Também. Ter empregos é importante, mas têm de ter salários dignos. Ter empregos nas empresas é importante, mas só se consegue fomentar com menor carga fiscal – a diferença entre o que as empresas pagam e o que a pessoa recebe tem de ser muito, mas muito menor.

A burocracia é outro entrave. Ser empreendedor não se faz apenas com Unicórnios. O tecido empresarial, responsável por grande parte dos empregos, é constituído por microempresas. Microempresas não conseguem ter um funcionário a trabalhar gratuitamente para o Estado, com todo o trabalho envolvido (trabalho fiscal, regulamentação a cumprir – que muda muito frequentemente, licenciamentos etc.) – estas micro, pequenas e médias empresas acabam por dedicar mais tempo e esforço a cumprir o que é exigido, do que a inovar e a criar valor para todos na empresa.

Habitação só se consegue, com mais medidas de entrada de casas no mercado de habitação e de arrendamento. Isto não se consegue com mais incerteza (regras e leis que mudam todos os anos – para não dizer meses), nem com mais fiscalidade.

Está tudo bem agora?

Não. Continua tudo mal. E quem me conhece até sabe que costumo ser otimista.

Continua tudo mal enquanto não tivermos os problemas estruturais resolvidos. Se não conseguimos com uma maioria absoluta, com o Parlamento tripartido será ainda mais difícil. E a solução parece tão óbvia, mas não vejo ninguém a executá-la.

Para nos convencerem do contrário, temos de criar estabilidade nas escolas. É inadmissível que os alunos continuem sem aulas e facilitados na progressão (exames mais fáceis ou passagens de ano com pouco rigor não faz pessoas mais capazes).

Temos de criar um SNS que seja universal e não apenas de alguns: temos um sistema que funciona a 2 velocidades: os que estão inseridos no sistema, têm médicos de família, fazem os exames necessários e os que nem precisam (só para cumprir quotas) e outros que não têm acesso a nada. Se é serviço nacional de saúde, tem de haver equidade no acesso.

Temos de criar uma justiça que funcione. A justiça está “entupida” e a maior parte dos casos nem vão a Tribunal porque “não vale a pena”. Já nem falo em justiça economicamente acessível (estamos tão longe disso), mas falo de, pelo menos, ter uma justiça que seja rápida e que dê respostas a tempo de ser praticada. Prazos – curtos – que sejam cumpridos. Evitar embrenhados de recursos cujo objetivo só pode ser a prescrição.

Temos de evitar que haja mais Antónios do que mulheres no Conselho de Estado (sim, há mais Antónios que mulheres e o caso melhorou com a substituição de António Damásio por Joana Carneiro). Mas não me parece que venha a acontecer quando em vez de termos um número mais equilibrado de deputadas e deputados, temos uma percentagem mais desigual.

Temos de ter menos carga fiscal. Isto mudaria e ajudaria o emprego, ajudaria o consumo, ajudaria a habitação, ajudaria a ter mais médicos no SNS, ajudaria a ter mais professores nas escolas.

Não está tudo bem. Está tudo por fazer. Senhores deputados que acabaram agora de ser eleitos, façam lá um pequeno esforço. Não é difícil melhorar.