O Serviço Nacional de Saúde (SNS) pode não ter os recursos que precisa, pode não ter os médicos e enfermeiros que precisa, pode não ter as instalações que precisa, mas tem o grave problema de gerir (muito) mal os recursos que tem.

Toda a gente sabe que, em casa mal gerida, podemos até ter rendimentos milionários, mas nunca serão suficientes.

Temos vícios de gente rica com uma carteira “mais ou menos” – desta forma, nunca teremos o que precisamos: um serviço de saúde público, para todos e de qualidade.

Dou alguns exemplos:

Os Centros de Saúde estão transformados em centros administrativos

Sim. É “de Saúde” para algumas pessoas (as privilegiadas – pobres ou ricas que estão inscritas e têm acesso ao seu médico de família). Para entrar para o grupo dos privilegiados os utentes têm de se inscrever e ser utilizadores regulares.

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Ora, começa aqui o chorrilho de utilizações desnecessárias. Se alguém, saudável, não tem consultas durante o espaço de 6 meses, é classificado como não utilizador. E desta forma, fica “em suspenso” no Centro de Saúde. Onde, até para tomar uma vacina, o processo é complicado porque são “não utilizadores”. O utilizador, percebendo isto, vai marcando consultas “de acompanhamento” só para ficar “ativo” no Centro de Saúde. E com esperança de no futuro ser elegível para ter médico de família.

O mesmo acontece a quem tem médico de família. “Não utilizações”, ou seja, sem consultas regulares, na primeira alteração dos processos de médico de família, os utentes deixam de ter acesso ao seu.

Todos nós conhecemos ou já ouvimos referência de alguém próximo que vai marcando consultas, para ir ficando no Centro de Saúde – que país tão rico devemos ser para que os nossos médicos vão fazendo este tipo de consultas.

Consultas para passar medicamentos e “credenciais de exames”

Que país tão rico devemos ter, em que a maioria das consultas são para ir passando os medicamentos regulares e para passar exames que foram prescritos por médicos privados. Não está aqui, mais uma vez um gasto disparatado de recursos?

Agendamentos por enfermeiros

Os Centros de Saúde têm administrativos e enfermeiros. Mas continuamos a ter referência de inúmeras situações em que os agendamentos só podem ser feitos por enfermeiros. Pergunto se não faria mais sentido (e ser economicamente mais responsável) ter administrativos a fazer agendamentos e ter enfermeiros a prestar cuidados de enfermagem. E sim, isto acontece. Há Centros de Saúde em que as vacinas só são administradas por agendamento, este agendamento só é feito presencialmente (o enfermeiro(a) nunca atende o telefone – provavelmente está a prestar cuidados de enfermagem…), e leva a que o utilizador perca pelo menos dois dias de trabalho (um para agendar e outro para tomar a vacina) … isto se correr bem….

Só podemos ser ricos….

Consultas demais

Portugal gasta anualmente 994€ per capita em cuidados de ambulatório (não inclui despesas administrativas). Dados da OCDE de 2019 referentes a 2017 – a média europeia é de 835€). Isto representa que em média se gasta em consultas de ambulatório 994€ por pessoa… Não sei se é só a mim, mas parece-me um valor disparatadamente alto. Não me parece que estejamos a pagar mais ao médico do que a média europeia, mas estamos a ter muitas consultas por utente. Consultas “administrativas”, consultas de “preciso de baixa médica” ou “tive febre hoje, vou ao médico” estão a entupir o Sistema Nacional de Saúde.

Tiques de rico

Por questões administrativas, comportamentais, ou outras razões, estamos a usar recursos preciosos. Como país, estamos a desperdiçar recursos que são escassos. E pior de tudo, temos uma população que precisa (verdadeiramente) de cuidados de saúde e não tem acesso aos mesmos. Estamos a gastar na flanela quando precisávamos de gastar na panela…