A qualidade de um sistema de ensino nunca pode ser superior à qualidade dos seus professores. Então, e quando o problema é não haver ninguém que queira ser professor? O resultado são salas de aulas vazias e alunos por ensinar. É uma realidade conhecida por muitos pais e alunos já no presente ano letivo: em novembro de 2021, cerca de 30.000 alunos deram por si sem um professor na sala de aula.
No próximo ano letivo, 110 mil alunos vão ficar sem aulas a, pelo menos, uma disciplina. Em três anos, teremos 250 mil alunos nessa situação, ou seja, a falta de professores vai afetar metade dos alunos entre o 7.º e o 12.º ano. Estes números são explicados por Luísa Loura, Diretora da Pordata, no seu artigo «quantos alunos estarão sem aulas daqui a 1 ano?». A situação era previsível, dada a enchente de professores que entraram no sistema após o 25 Abril, de forma a permitir o alargamento da escolaridade da população em Portugal — o país que, ainda hoje, é de longe o que tem menos população com o 12.º ano completo de toda a Europa.
Não é por isso surpresa que, já em 2019, as primeiras estimativas apontassem para que quase 58% dos professores se reformassem até 2030. Os cálculos mais recentes e precisos têm por base um relatório encomendado ao Centro de Economia da Educação da Nova SBE. Nele podemos encontrar uma perspetiva muito desafiante: cerca de 39% dos docentes deverão reformar-se até 2030.
Mesmo tendo em conta que teremos menos crianças na escola, por via da diminuição da natalidade, será preciso recrutar mais de 34.500 professores até ao fim da década, ou seja, cerca de 3.500 professores por ano, em média. No pico desta crise, teremos que ser capazes de recrutar 4.100 professores num só ano. Para dar uma ideia da dimensão do desafio, em 2018 apenas se diplomaram 2.200 novos professores.
Lamentavelmente, só 1,3% dos alunos de 15 anos querem ser professores em Portugal, o que contrasta com a média de 4,2% na OCDE. Isto apesar de, em média, os professores portugueses receberem ordenados mais altos que os seus pares noutros países — o que só é verdade, porém, justamente por termos uma população docente tão envelhecida e, portanto, uma grande quantidade de professores no topo da carreira. Por oposição, os pouquíssimos professores jovens no nosso sistema têm salários baixos e vidas precárias. Grande parte dessa precariedade é devida ao estranhíssimo sistema centralizado de colocação de professores, que leva a que alguém que viva no Minho possa dar por si a ensinar no Algarve num ano e em Castelo Branco no ano seguinte.
A falta de professores é um problema complexo. Mas, então, que soluções conhecemos? Deixo abaixo cinco alternativas, todas elas testadas em diferentes países que, com alguma criatividade, podem ser aplicadas também por cá.
A parte mais importante e óbvia será aumentar o recrutamento de recém-graduados. Em primeiro lugar, o esforço central deve consistir em flexibilizar as vias de ensino que os futuros professores podem seguir. Uma outra solução, popular em vários países, passa por dar maior autonomia às escolas para contratar os seus professores, negociar incentivos, inclusive financeiros, para atrair professores para zonas remotas ou mais desfavorecidas. A par disto, por exemplo, nos Estados Unidos ou em Inglaterra, existem estruturas privadas, sem fins lucrativos, que recrutam professores para as salas de aulas de escolas públicas. Não estando isento de problemas e controvérsias, o trabalho deste tipo de organizações funciona, mas teria limites de implementação a grande escala no curto prazo em Portugal. Contudo, talvez o exemplo mais famoso seja a ONG Teach First (prima da nossa Teach for Portugal). Esta ONG tornou a profissão de tal forma popular que chegou mesmo a ser a organização que mais recrutava recém-graduados em Inglaterra, à frente dos suspeitos do costume, como os grandes bancos e consultoras. A iniciativa, e muito do seu financiamento, vem de mecenas privados, que deram provas de vida e se tornaram uma parte importante da resolução do problema, em vez de ficarem parados a assistir.
Por outro lado, é também possível trazer antigos professores de volta às salas de aula. Finalmente, existem ainda programas que ajudam pessoas de outras áreas a mudar de carreira, disponibilizando formação, tanto de forma inicial intensiva, como contínua ao longo das suas novas vidas dentro de uma escola.
Um dos maiores medos em mexer no sistema de recrutamento e colocação está relacionado com a diminuição da qualidade dos professores. Apesar de estar por provar que o nosso sistema é bom para gerar professores com alto valor acrescentado, a preocupação é válida e legítima. A literatura científica mostra-nos que os professores são o fator mais importante ao nível da escola para dar aos nossos alunos a oportunidade de ter uma vida justa e bem-sucedida. Os bons professores não só ajudam os jovens e crianças a seguir os seus sonhos, como possibilitam que os seus alunos recebam melhores salários na idade adulta, como ficou demonstrado num famoso artigo de R. Chetty, J. Friedman e J. Rockcoff, publicado em 2014 no American Economic Review.
Porque é que é tão urgente falar disto agora? Por duas razões.
A primeira é que tudo isto acontece em cima de um problema já de si monumental: três anos letivos seguidos com fortes perdas de aprendizagens. Uma criança que esteja agora no 3º ano nunca teve um ano normal de escola na sua vida. Essa mesma criança, ao dia de hoje, está sentada numa sala de aula com uma máscara na cara. Chegará ao 12.º Ano em 2030 e verá todo o seu percurso escolar marcado pelos impactos da pandemia e pela falta de professores.
Enquanto sociedade, este é um cenário que não podemos aceitar. O que me traz à segunda razão. Tenho que ter esperança no novo Ministro da Educação, João Costa, que tomou posse esta semana. Perante uma maioria absoluta e um grande envelope financeiro vindo da Europa, tem a oportunidade (e a responsabilidade) única de garantir que todo o extraordinário avanço que tivemos na educação, desde o 25 de Abril, não é deitado por terra. A ele e aos elementos da sociedade civil que queiram dar provas de vida, desejo sorte e sucesso. Pelo futuro dos nossos filhos.
Gestor de organizações sem fins lucrativos. Responsável por projetos relacionados com desigualdades educativas e integração social no Reino Unido, Portugal e Espanha.
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.