Tenho assistido aos debates televisivos entre os candidatos a Primeiro(a)-Ministro(a) de Portugal e, confesso, brota algum dissabor pelo facto de os temas serem, grosso modo, os mesmos, de igual identidade, pese embora em canais televisivos diferentes e, claro está, com jornalistas também eles diferenciados.

Como Advogado, esperava ver debatido o tema da justiça o qual, com lamento próprio, tem ficado ao arrepio e alheamento dos interlocutores e moderadores.

Que a justiça não está bem, é consabido por todos. Que os partidos apresentam medidas para ela, já não o será. Entenda-se, seria difícil a um cidadão eleitor ler (haja paciência) todos os programas eleitorais.

Em função disso, não seria pior que a justiça e as formas propostas por cada partido para sanar os seus imensos problemas constituísse, de per se, tema singular entre os demais que teimam persistir, como sejam a habitação, a imigração, a corrupção, a saúde, a educação, etcetera. É que sobre estes últimos, em rigor, já se sabe o que pensam os candidatos e pô-los a dirimir os mesmos temas ainda que com pessoas diferentes torna-se cansativo e pouco rendoso.

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Debata-se a justiça! As reformas dos Códigos Penal e Processo Penal urgem. E tal urgência parece não merecer a importância devida dos órgãos de comunicação social. Entendo, por exemplo, que em 2024 a matéria probatória (nomeadamente a sua aquisição e valoração) requerem uma significativa e substancial alteração, uma vez que estamos na era das tecnologias e, sobre este aspeto, os códigos encontram-se obsoletos.

Na qualidade de agente da justiça a temática que trago a este artigo constitui fundamento essencial para prosseguir os intentos – estes sim – reivindicados pelos candidatos. Pois bem, “perseguir os criminosos” implica muito além de uma vontade genericamente manifestada e, a par, nem todos os crimes são económicos.

O país e os portugueses esperam uma revolução em matéria penal, porquanto os seus intentos e direitos esbarram, não raras vezes, num amorfo sistema de regras que claudicam, in fine, a realização da justiça. Se a corrupção é um tema deveras importante, menos não será os crimes que grassam no quotidiano dos cidadãos. E por muito que sejam “de pouca monta”, são precisamente aqueles que mais lhes dizem, razão pela qual devem ser atendíveis, razão pela qual devem ser trazidos à colação, razão pela qual devem ser debatidos.

Dispõe o número 1 do artigo 340.º do Código de Processo Penal que a investigação judicial visa a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, isto é, a chamada verdade material. Também o Código de Processo Civil esclarece que as diligências probatórias se destinam à descoberta da verdade.

Estas são as premissas, o ponto de partida.

Ora, aqui chegados, direi que um processo sem a verdade factual é um processo falseado, mentiroso; e que uma comunidade não convive, não pode conviver pacificamente numa deriva de prática criminal sem que desta não emerjam consequências para os seus agentes.

Detenhamo-nos nesta realidade: o Ministério Público, por falta de recursos, não faz a investigação que muitas vezes, ilusoriamente, a comunidade pensa estar a ser realizada em todos os processos-crime.

Nos crimes particulares e por vezes nos crimes semi-públicos, o MP recolhe a prova carreada para os autos através dos intervenientes processuais, realiza algumas diligências probatórias através, por exemplo, dos Órgãos de Polícia Criminal e conclui. Ao contrário do que a comunidade pensa, não existem equipas que vão para o terreno investigar todas as queixas apresentadas e recolher prova pelo que, em rigor, as diligências probatórias resumem-se à audição dos suspeitos e à análise da prova carreada ao processo pelos queixosos.

Como acima escrevi, estamos na era da tecnologia e não faltam bons exemplos do uso tecnológico ao serviço da justiça como sejam o Citius, o Signius, o Webex e o Zoom. Se assim é, ainda que se entendam as resistências de quem doutrinou há 40 anos – que as há –, não se entendem as de quem hoje doutrina, repisando caminhos trilhados e obsoletos.

Entendo e sustento (na tese de mestrado apresentada na Faculdade de Direito de Lisboa) que as pessoas particulares, os cidadãos comuns, quando vítimas da prática de um crime ou quando a ele assistam – mormente crimes particulares e semi-públicos, podem, através do uso dos seus telemóveis (smartphones) ou aparelhos eletrónicos semelhantes produzir prova – quer por fotografia, quer por vídeo e áudio – e essa prova deve ser acolhida e valorada sem necessidade de concordância por parte do agente prevaricador sem que constituam uma nulidade.

Em razão desta tese que almeja a verdade material e assim a realização da justiça, existem artigos nos códigos acima identificados que carecem de uma verdadeira atualização, como sejam, a título meramente exemplificativo, os artigos 192.º e 199.º do Código Penal bem como os artigos 126.º e 167.º do Código de Processo Penal sem que com essas alterações produzidas afetassem, nos casos dados a exemplo, os artigos 18/1.º e 32.º da nossa Constituição.

Poder-se-á dizer que tudo isto é excessivamente técnico. Concedo. Mas é o “excessivamente técnico” que molda a vida das pessoas no seu dia-a-dia quando recorrem aos tribunais. Sem o preciosismo técnico, tudo não passará de generalidades, evasivas e processos de intenção.