Há mentes conturbadas que querem mudar a palavra Natal. E que querem trocar Natal por festividades ou outras possíveis palavras. O problema nunca foi mudar. O problema, neste e noutros casos, é mudar sem rumo, sem nada para onde ir, sem objetivo de mudança. É mudar por mudar.

A questão que levanto neste texto não tem tanto a ver com o sentido religioso ou espiritual do Natal mas, numa sociedade judaico-cristã, não se podem esquecer esses sentidos. Não se muda um legado e uma memória sem que se tenha alguma coisa consistente em troca. Mas nada? Trocar Natal por festividades?

Começando pelo mais prosaico, a economia envolvida.

Perder-se-ia valor, dinheiro, só pelo simples facto de fazer o delete da palavra Natal.

E perder-se-ia como?

Na literatura, cheiinha de alusões à palavra Natal, perder-se-ia dinheiro.

Na pintura e na escultura, repletas de alusões ao Natal, perder-se-ia dinheiro.

Na história, no turismo, no cinema, na música. Até no bom do Pai Natal.

Seria absolutamente burlesco que uma comissária profundamente desconhecedora da realidade do Natal e sua extensão, em nome da inclusão, quisesse acabar com a própria palavra. Primeiro não o conseguiria. Segundo tornar-se-ia ridícula – disso já não se livra. E, em terceiro lugar, vamos às contas – por alto – da economia trazida pelo Natal. Convém que o seu nome, Helena Dalli, fique escrito para que fiquemos atentos a futuras asneiradas. É ela a Comissária “da Malta”.

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O mundo tem mais de 550 000 000 crianças cristãs com menos de 14 anos de idade. E existem os adultos todos que recebem também presentes e se unem para comemorar a festa da família e a dádiva aos demais. Imagine-se que por cada criança existem em média três adultos. Estamos a falar de 2,2 mil milhões de pessoas a receberem ou darem presentes no Natal. Números por baixo. Imagine-se que cada pessoa adulta cristã oferece a outra, em média, um presente no valor de 5 euros. E dessa recebe também um presente no valor de 5 euros. Para simplificar e retirar as crianças como dadoras teremos 3,3 mil milhões de presentes. A 5 euros cada teríamos 16,5 mil milhões de euros envolvidos. Agora veja-se: um português em média gasta 398 euros em presentes no Natal (dados do jornal ECO). Porém, se fosse a 398 euros, admitindo que todos dariam e receberiam como em Portugal (o que não é obviamente verdade) o resultado já ascenderia a 1,3 biliões de euros (bilião como milhão de milhões).

E ainda falta quase tudo. Falta preparação, luzes, música, espetáculos, jantares, almoços, materiais de embalagem, bolos e comidas, faltam vinhos e queijos, marisco, faltam roupas melhores que se compram para a ocasião, falta turismo, restauração e todas as deslocações, falta ainda muito, ou quase tudo, nesta equação.

Mas reduzamos tudo a presentes. A produção destes presentes coloca mão de obra a trabalhar. O transporte destes presentes coloca outra mão de obra a trabalhar. A distribuição destes presentes coloca ainda uma outra mão de obra a trabalhar (mesmo retirando o Pai Natal ou os Pais Natal vestidos para a ocasião e preparados para distribuir). Dá-se trabalho, muitíssimo trabalho, a muitas pessoas, muitíssimas pessoas, por causa e pela ocasião do Natal. Isto é, também, inclusão.

Produz-se e consome-se muito pelo Natal. Um mês como o de Dezembro representa em muitas economias 15 a 20% do total do PIB (all included). Quer-se pois, por causa da inclusão ou a pretexto dela, acabar com o Natal? Para quê? Para retirar emprego, para retirar economia à economia? Mas que centelha terá passado pela cabeça de uma Comissária Europeia quando pensa em inclusão? Serão ODS mal interpretados ou é apenas vontade de achincalhar? Zero nexo. Zero cabeça. “Malta”, a malta precisa de cabeça.

Deixemos, agora, a parte mais prosaica e vamos aos intangíveis do Natal.

Sim porque Natal não são umas festividades quaisquer. Ponto.

Seja-se ou não cristão, acredite-se ou não no significado do Natal, acontece que no Natal – sem retirar a palavra e sublinhando-a – trocam-se afetos, cimentam-se amizades, dão-se abraços, fazem-se encontros, promove-se a proximidade entre povos, largam-se armas e durante uns dias procura-se um sentido mais humano e mais próximo dos demais. Perdoa-se, agradece-se, recomeça-se, une-se. Tornamo-nos mais gente, mais humanos, mais próximos. É-se muitíssimo mais inclusivo.

Quer-se retirar a palavra Natal a propósito de que inclusão? Talvez não haja ocasião no calendário dos povos com tamanho sentido de inclusão e tamanho impacto – e absolutamente ecuménica. No Natal somos todos bastante mais inclusivos. E mesmo para uma senhora ignorante de Malta ou um asiático inteligente e conhecedor mas longe do que representa o Natal, este é um período de aproximação e de convite à reflexão.

Deixemo-nos de tretas e verdades pífias. Como se houvesse melhor. Não há. Porque Natal é mesmo inclusão. Nasce-se, deve (re)nascer-se, a cada Natal. E com o (re)nascimento a inclusão.

PS. Hoje é um dia especial para mim porquanto, ao fazer anos, “ofereço-me” uma publicação em jornal. É um acaso dos meus escritos às sextas-feiras quinzenalmente. Agradeço ao Observador e a todos os que me leem e desejo a todos um Natal com inclusão e um 2022 cheio de momentos em que estejamos à altura de todos os outros.