A Assembleia Municipal de Lisboa retomou esta semana as sessões regulares e o Partido Comunista não esperou nem mais um dia para mostrar a ferocidade latente debaixo da finíssima e estaladiça camada de falinhas mansas. Apresentou uma falsificação baixa na substância e na retórica, uma peça de brutalidade política como é raro aparecer no debate público oficial – e ainda mais raro no mundo que o jornalismo nos mostra. Era um Voto de Pesar. “Pelas vítimas da violência promovida pela extrema-direita golpista após as eleições presidenciais realizadas na República Bolivariana da Venezuela”, assim se chamava, e o PCP referia-se às eleições do passado dia 28 de Julho, dizendo delas que “constituíram uma importante realização democrática do povo venezuelano”. E seguia:

“Este acto soberano (…) foi realizado num contexto de décadas de sucessivas operações de ingerência e desestabilização promovidas pelos EUA, com o apoio da União Europeia, contra o processo bolivariano iniciado com a eleição do Presidente Hugo Chávez em 1998.

Recorde-se que nos últimos 25 anos foram realizadas contra a Venezuela: tentativas de golpe de Estado; sabotagem económica; operações de desestabilização e violência; campanhas de desinformação; o boicote (…) e o não reconhecimento de actos eleitorais e dos seus resultados; (…) a ameaça de intervenção externa – acções que foram promovidas pelos EUA e a extrema-direita golpista venezuelana, com o apoio da UE, tendo tido o suporte de governos e forças políticas portuguesas (…).

Recordem-se ainda as medidas coercivas impostas pelos EUA contra o povo venezuelano (…) como o bloqueio económico e financeiro ou o roubo de milhares de milhões de activos da República Bolivariana da Venezuela pelos EUA e noutros países – incluindo Portugal –, que afrontam os princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional. (…)

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A Venezuela viu (…) o roubo de reservas de ouro pelo Reino Unido e, em Portugal, o roubo de 1,5 mil milhões pelo Novo Banco. (…)”

Terminada a revisão da matéria histórica, o PCP ocupava-se da matéria criminal – não há, nem nunca houve em parte alguma, comunismo sem falsificação histórica e sem toneladas de matéria criminal. O PCP apontava o dedo à oposição venezuelana, e acusava:

“Não aceitando os resultados eleitorais, a extrema-direita promoveu uma tentativa de golpe de Estado (…) em que se inscreveu o ataque informático ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o anúncio de números paralelos (…), e inúmeras acções de violência dirigida contra pessoas, bens públicos e forças políticas.

As autoridades venezuelanas denunciaram a destruição ou a vandalização (…) de 21 escolas, 12 estações de Metro, 10 sedes do CNE, 10 sedes da Polícia Nacional, (…) 27 monumentos, entre outros bens públicos e particulares.

Em consequência destas violentas acções promovidas pela extrema-direita (…) resultaram cerca de 27 mortos e 190 feridos.

Desde então, têm tido lugar na Venezuela grandes mobilizações populares em defesa da vitória do candidato do Grande Pólo Patriótico, Nicolás Maduro.”

Na Venezuela as pessoas morrem à fome, não há dinheiro, não há comida, não há liberdade de imprensa e não há pluralismo – nem sequer disfarçado. Os opositores políticos misturam-se com os opositores pessoais, todos eles são presos e desaparecem sem processo judicial. Os polícias não se distinguem dos gangsters do narcotráfico, nem pelas armas, nem pelos modos, e entram desabridamente nas casas da população a qualquer hora do dia, da noite, ou da madrugada. Para o PCP, tudo isto é música de violinos.

Relembro que não, o que transcrevi não é uma opinião ouvida numa conversa, nem na televisão, no Twitter ou no Facebook. É a posição oficial do PCP, apresentada num documento oficial perante uma assembleia de deputados eleitos. O documento pode ser consultado: é o Voto 130/16 (PCP), disponível online no site da Assembleia Municipal de Lisboa.

Todos fascistas, incluindo o partido comunista venezuelano – que também está contra o regime de Nicolás Maduro. É assim que o PCP olha para a Venezuela. Os EUA “roubam”, a Inglaterra “rouba”, a União Europeia “rouba”, e Portugal “rouba”. Todos eles promovem a “extrema-direita golpista” e todos eles “atacam”, “vandalizam”, “destroem” e “matam”.

É também assim, com estes mesmos olhos, que o PCP vê o Ocidente e as democracias liberais, e é desta maneira que o PCP trata quem se opõe ao PCP. Quando António Costa precisou de ser primeiro-ministro, armou a geringonça com a “habilidade” que trazia ensaiada de anos e anos na Câmara Municipal de Lisboa. Todo o cão e todo o gato com presença nos jornais e televisões explicou ao país atónito que o PCP se tinha tornado manso com a brandura burguesa do Portugal pós-revolucionário, e era hoje um partido “social-democrata”. Não tornou, não amansou. Continua hediondo como sempre e foi com este PCP que António Costa negociou uma aliança de governo. O Partido Socialista tem esta linda medalha no seu passado recente. Escusa de a tentar esconder.